Alertas recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas nacionais chamam atenção para uma epidemia silenciosa: transtornos mentais em alta — ansiedade e depressão entre eles — e a automedicação associada que agrava riscos na direção. O tema foi destaque no 16º Congresso Brasileiro de Medicina do Tráfego, em Salvador.
No evento, o diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Adriano Isabella, lembrou que uma diretriz recém-publicada pela entidade lista e classifica medicamentos que podem comprometer a capacidade do motorista de conduzir um veículo com segurança.
“O ato de dirigir é um ato complexo e envolve exatamente a coordenação dos sentidos humanos”, disse Isabella, ao citar a cognição e a função motora do condutor. “O uso de determinados medicamentos aumenta e muito o risco de sinistros indesejáveis no trânsito”, completou.
Segundo especialistas, vários fatores influenciam a intensidade e a duração dos efeitos de fármacos na condução — entre eles, a capacidade de metabolização individual, idade, peso, dose, horário da tomada e a combinação com álcool.
Quais medicamentos exigem atenção
Analgésicos. Ácido acetilsalicílico e paracetamol não mostram comprometimento significativo em testes de direção. Já opióides têm associação estatisticamente significativa com sinistros: “o risco chega a ser oito vezes maior para ferimentos graves e cinco vezes maior para morte.”
Relaxantes musculares. Estudos com carisoprodol em simuladores indicaram sedação, raciocínio lento e falha de atenção; o prejuízo psicomotor é frequentemente subestimado pelo próprio condutor. Há risco de acidente com vítimas já na primeira semana de uso. Ciclobenzaprina também mostrou sonolência, visão turva, equilíbrio e coordenação prejudicados e confusão mental.
Ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. Benzodiazepínicos aumentam significativamente o risco de sinistros; estima-se que 2% da população adulta brasileira faça uso desse tipo de medicação. Buspirona não alterou desempenho em testes de direção, mas os chamados hipnóticos Z apresentam evidências consistentes de efeitos prejudiciais à condução.
Antidepressivos. Tricíclicos elevam o risco de sinistros, sobretudo em idosos; mesmo doses baixas noturnas podem comprometer a direção desde o primeiro dia de uso, de forma similar a motoristas sob efeito de álcool. Inibidores seletivos de serotonina (ISRS) são, em geral, melhor tolerados. Trazodona, porém, pode provocar perda de memória, sedação, sonolência e alterações cognitivas e motoras que afetam a condução.
Antialérgicos. Anti-histamínicos de primeira geração (difenidramina, tripolidina, terfenadina, dexclorfeniramina, clemastina) prejudicam significativamente a direção. Os de segunda geração (cetirizina, loratadina, ebastina etc.) podem afetar conforme a pessoa; os de terceira geração (fexofenadina, desloratadina, levocetirizina) não costumam causar comprometimento após o uso.
Antipsicóticos. A maioria tem efeito sedativo e pode prejudicar habilidades de condução.
Canabinóides. Produtos que contêm THC afetam cognição, função visual e coordenação motora; os efeitos podem persistir por várias horas e comprometer a segurança ao volante.
O que fazer na prática
Profissionais recomendam ler a bula, conversar com o médico e evitar dirigir ao iniciar tratamentos com fármacos de efeito sedativo ou que alterem a cognição. A combinação com álcool potencializa o risco. Quando houver dúvida sobre efeitos — sobretudo nas primeiras doses — o afastamento temporário da direção é a opção mais segura.