O Cemitério de Escravizados encontrado no estacionamento da Pupileira, na Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, pode ser o maior da América Latina. De acordo com o Ministério Público da Bahia (MP-BA), o local abriga os corpos de mais de 100 mil pessoas. Os resultados da pesquisa arqueológica foram apresentados em uma reunião no último dia 21 de outubro.
O encontro contou com a presença de representantes do MP-BA, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Fundação Gregório de Matos (FGM), Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) e dos arqueólogos responsáveis pelas escavações.
A descoberta foi feita durante o doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A partir da comparação de mapas do século 18 e imagens de satélite atuais, ela conseguiu identificar o local onde funcionava o cemitério, hoje transformado em estacionamento no centro da capital baiana.
As escavações começaram em 14 de maio de 2025. Já no terceiro dia de trabalho, os pesquisadores encontraram fragmentos de porcelanas e objetos do século 19. Cerca de dez dias depois, surgiram as primeiras ossadas humanas. Mesmo com a descoberta, o espaço segue sendo usado como estacionamento. O MP-BA informou que o Iphan recomendou à Santa Casa a suspensão imediata do uso do local.
Silvana Olivieri também solicitou que a área seja reconhecida oficialmente como “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”, pedido já encaminhado ao Iphan.
A pesquisa
Para localizar o cemitério, Olivieri analisou mapas e plantas históricas de Salvador e consultou obras de historiadores como Braz do Amaral (1917), Consuelo Pondé de Sena (1981) e um livro de 1862 escrito por Antônio Joaquim Damázio, então contador da Santa Casa.
Os registros apontam que o cemitério foi inicialmente administrado pela Câmara Municipal de Salvador, passando depois à gestão da Santa Casa de Misericórdia. Durante cerca de 150 anos de atividade, os sepultamentos aconteceram até 1844, quando foi inaugurado o Cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação.
A maioria das pessoas enterradas no local era composta por escravizados africanos, mas também foram encontradas ossadas de indígenas, ciganos e pessoas pobres que não podiam pagar por um enterro. Pesquisadores acreditam ainda que participantes da Revolta dos Malês, da Conjuração dos Alfaiates (ou Revolta dos Búzios) e da Revolução Pernambucana possam ter sido sepultados ali.
Os estudos indicam que os sepultamentos eram feitos em valas comuns e superficiais, sem cerimônia religiosa ou identificação. Esse tipo de prática era comum em cemitérios destinados a pessoas escravizadas durante o período colonial e imperial.

