quarta-feira, 19 novembro, 2025

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Alimentos ultraprocessados estão substituindo alimentos in natura e minimamente processados

Os alimentos ultraprocessados (produtos industriais ricos em açúcar, sal, gorduras e aditivos, como aromatizantes e emulsificantes) estão ganhando espaço nos carrinhos de compras e nos pratos das pessoas ao redor do mundo.

A tendência é detalhada em uma coletânea de estudos publicada na última terça-feira (18) na revista The Lancet, uma das mais respeitadas na área da saúde. Os pesquisadores alertam que o avanço desses produtos exige medidas coordenadas para reduzir seu consumo, já que o hábito está ligado ao aumento do risco de doenças crônicas e morte precoce.

A coleção temática foi produzida por um grupo internacional de 43 pesquisadores, com liderança de cientistas do Brasil, Austrália e Chile. Nomes de destaque, como Marion Nestlé, professora emérita da Universidade de Nova York (NYU) e referência mundial em nutrição, e Gyorgy Scrinis, que cunhou o termo “nutricionismo” (a ideia de reduzir os alimentos apenas aos seus nutrientes), estão entre os autores.

Cada artigo da série aborda um aspecto distinto do tema. Enquanto o primeiro revisa as evidências científicas acumuladas desde a criação do conceito de ultraprocessados e sua relação com a saúde, o segundo propõe um conjunto de políticas coordenadas para regular e diminuir a produção, a publicidade e o consumo desses produtos. Já o terceiro discute como o avanço dos ultraprocessados é impulsionado por grandes corporações globais, não apenas por escolhas individuais.

A série chama atenção para o avanço expressivo dos ultraprocessados na alimentação global. Em países como Espanha e China, a proporção de energia proveniente desses produtos triplicou nos últimos 30 anos. No México e no Brasil, esse percentual passou de 10% para 23% em quatro décadas. Já nos Estados Unidos e no Reino Unido, o consumo segue alto: acima de metade das calorias ingeridas há pelo menos 20 anos.

Ana Clara Duran, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das autoras do estudo, explica que o aumento é resultado de uma combinação de fatores. “A conveniência constitui um determinante estrutural fundamental, uma vez que são itens prontos para consumo ou que exigem preparo mínimo”, declara. “As escolhas também são moldadas por normas sociais, práticas familiares e reforço durante a infância, além da influência do marketing”, complementa.

Segundo os pesquisadores, a mudança global no padrão alimentar traz consequências importantes para a saúde. O alto consumo de ultraprocessados está ligado a maior ingestão calórica, pior qualidade nutricional e exposição contínua a aditivos e compostos químicos potencialmente prejudiciais.

As evidências também apontam um risco elevado de diversas doenças crônicas, como obesidade, diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares, depressão e até morte precoce. “Esses produtos são formulados para maximizar a recompensa sensorial, combinando açúcar, sal, gorduras e aditivos de maneira a torná-los extremamente palatáveis e incentivar o consumo excessivo”, destaca Duran.

A coletânea também apresenta um conjunto de estratégias para frear o avanço dos ultraprocessados e estimular escolhas mais saudáveis.

“É fundamental adotar políticas públicas regulatórias que tornem o consumo desses produtos menos acessível e atrativo, como o aumento de impostos e o incentivo à produção e comercialização de alimentos in natura”, afirma a autora. Duran reforça ainda a necessidade de ampliar a transparência dos rótulos, fortalecer a regulação da publicidade – especialmente a voltada ao público infantil – e implementar políticas que limitem a oferta de ultraprocessados nas escolas. “A exposição precoce a alimentos hipersaborosos, associados à conveniência e à sensação de recompensa, molda padrões alimentares que podem se manter por toda a vida”, completa.

A equipe do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (NUPENS/USP), responsável por desenvolver a linha utilizada na produção dos trabalhos, pretende aprofundar o conhecimento sobre o tema. “O grupo seguirá trabalhando na geração de evidências que ligam o consumo de ultraprocessados a desfechos de saúde, na geração e avaliação de impacto de políticas públicas que restringem seu consumo e aumentam o consumo de alimentos in natura e minimamente processados”, declara Duran, que também reforça o objetivo de investigar a interferência da indústria de ultraprocessados na regulação de políticas alimentares.

*Fonte: Agência Bori

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