Flávio Dino e Rui Costa despontam como nomes para disputar a eleição presidencial.
Em contraponto à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), eles se uniram em torno de um projeto comum e começam a consolidar um novo polo de poder na esquerda pós-Lula (PT). Com a força política de suas canetas, os governadores dos nove estados do Nordeste –sete deles de partidos de esquerda– intensificaram agendas conjuntas, afinaram o discurso e tentam dar peso político à região onde vivem 55 milhões de brasileiros. Para isso, deixaram em segundo plano o debate sobre costumes, na qual a polarização com Bolsonaro tende a atingir níveis ainda mais críticos, e trouxeram para o centro da discussão temas com maior impacto no cotidiano da população, como emprego, saúde e segurança.
A estratégia ficou visível na última segunda (29), quando os governadores formalizaram em Salvador a criação do Consórcio Nordeste, entidade que viabilizará parcerias entre os estados da região. Em entrevista à imprensa, eles negaram que a proposta fosse um contraponto a Bolsonaro. Mas, politicamente, todos os signos que apontavam nessa direção estavam lá. Perfilados lado a lado, os governadores posaram para fotos após o lançamento do projeto. Atrás deles, um banner trazia um slogan com discurso nacional: “Consórcio Nordeste: o Brasil que cresce unido”. A escolha não foi ao acaso. A ideia de união do slogan é um contraponto direto a Bolsonaro, que segue a lógica do conflito em seu governo.
Do grupo, despontam dois nomes que podem disputar a eleição presidencial em 2022: Flávio Dino (PC do B), do Maranhão, e Rui Costa (PT), da Bahia. No discurso de ambos, a ideia de contraponto também esteve presente, nem sempre de forma tão sutil. Dino afirmou que o consórcio mostra uma “diferença muito clara entre formas de governar” de Bolsonaro e dos governadores nordestinos, que propõem “uma agenda real, sintonizada com as necessidades do Brasil”. “Não queremos confusão, perseguição e conflito. Queremos união e paz em favor do Brasil. Mas também não aceitaremos agressividade e temos firmeza para defendermos nossos estados e nossa região”, afirmou Dino, que recentemente foi chamado por Bolsonaro de “pessoa intragável”. Presidente do Consórcio Nordeste, Rui destacou por várias vezes a palavra união e citou o grupo como uma iniciativa para “ajudar o país a crescer e superar a crise”.
Três dias depois, quando voltou à cidade de Vitória da Conquista (BA) após embate com o presidente sobre o novo aeroporto da cidade, adotou tom mais duro: afirmou que Bolsonaro “não tem trabalho para apresentar” e acusou o governo federal de “dar calote” ao atrasar repasses para obras com recursos federais. Mesmo com a postura crítica ao presidente, os governadores buscam mostrar-se como uma oposição mais palatável e abrangente. No campo político, eles têm um leque de aliados locais, que inclui o DEM no Maranhão, Ceará e Paraíba e o PP na Bahia, Pernambuco e Piauí. Na esfera administrativa, os governadores buscam, com um perfil mais pragmático, descolar-se da esquerda.
Falam em parcerias público-privadas, privatizações e modelos que impulsionem o crescimento econômico da região. Em novembro, os nove gestores farão uma viagem conjunta a quatro países da Europa para conversas com investidores. Em outro contraponto a Bolsonaro, pretendem dar ênfase ao discurso ambiental como um ativo para quem pretende investir na região. Um dos alvos é o setor de saneamento. A tendência é que as estatais no Nordeste abram capital ou firmem parcerias privadas para potencializar investimentos.
Esse movimento deve acontecer a despeito da oposição de partidos aliados (como o PT), que defendem o modelo estatal para as empresas de água e saneamento. Os opositores dos governadores, por outro lado, veem o Consórcio Nordeste e a atuação conjunta como uma forma de “criar espuma” enquanto os estados enfrentam uma grave crise financeira, com investimentos em baixa e salários de servidores sem reajuste.
Diz o deputado Targino Machado (DEM), líder da oposição na Assembleia Legislativa da Bahia: “Eles [governadores] criaram uma espécie de poder paralelo frente ao governo federal, mas no fundo querem apenas aparecer. Não tem como dar certo”.