O Vitória apresentará nesta segunda-feira (30) o seu balanço contábil de 2017. O documento traz uma conta que, inicialmente, assusta: são R$ 59 milhões de déficit acumulado no ano passado, durante as gestões de Ivã de Almeida e, posteriormente, de Agenor Gordilho.
O CORREIO teve acesso exclusivo ao relatório do escritório de auditoria responsável pelo balanço. Nele, há explicações para o déficit recorde. Trata-se da apropriação, pela primeira vez, de dívidas e despesas a longo prazo que em balanços de gestões anteriores não eram devidamente registrados pelo clube ou eram sub-contabilizados.
Dos R$ 59 milhões, mais de R$ 52 milhões vieram da apropriação desses passivos ocultos. É possível dizer, que, não fosse isso, o exercício de 2017 terminaria ainda assim com um déficit, mas de aproximadamente R$ 7 milhões. Boa parte dele devido ao gasto excessivo com o futebol profissional.
Segundo o balanço, o Vitória gastou em 2017, apenas com a folha salarial do futebol profissional, mais de R$ 46 milhões. Em 2016, quando terminou com o mesmo resultado em campo – campeão baiano e 16º lugar na Série A – este gasto com a folha foi de menos da metade: R$ 22 milhões.
O Vitória gastou em 2017, apenas com a folha salarial do futebol profissional, mais de R$ 46 milhões. Em 2016, esse gasto havia sido de R$ 22 milhões.
Apesar do balanço apresentar um déficit extraordinário, o clube não está ‘quebrado’. Segundo o relatório, os passivos reconhecidos a partir de agora não exigem pagamento sequer a médio prazo, e não devem interferir no orçamento do Vitória dos próximos anos.
O reconhecimento destes passivos que antes sequer constavam nos balanços faz parte da adequação do Vitória às normas da Apfut (Autoridade Pública do Futebol), que monitora o Profut, o programa de renegociação das dívidas dos clubes com a União. As dúvidas serão explicadas a seguir:
Dívida de IPTU do Vitória com a área do Barradão é de R$ 19 milhões (Foto: Bruno Barretto / EC Vitória) |
Os passivos ocultos
De acordo com o relatório, quatro passivos foram apropriados pela primeira vez. O mais significativo deles diz respeito ao reconhecimento de uma dívida histórica do Vitória com a Prefeitura de Salvador em relação ao IPTU, no valor de R$ 19.098.307.
Em novembro de 2017, Agenor Gordilho assinou um termo reconhecendo o débito, que seria pago em 60 parcelas mensais. Isso fez com que o item ‘parcelamentos fiscais’ do balanço saltasse de R$ 24 milhões em 2016 para R$ 40 milhões em 2017.
O Vitória reconheceu uma dívida histórica de IPTU no valor de R$ 19 milhões. O débito seria pago em 60 parcelas mensais.
O Vitória realizou, no final de 2017, um levantamento dos processos cíveis e trabalhistas que correm contra o clube na Justiça. Com isso, foi possível estimar ações em que provavelmente sairá derrotado e as indenizações que terá que pagar, de R$ 19.353.911. Em 2016, não havia nada referente a isso.
O Vitória também contabilizou valores gastos na aquisição de jogadores e na formação destes na sua base como ‘ativos intangíveis’. Assim são chamados os ativos com retorno inesperado, já que o clube só terá um retorno deste investimento se os atletas forem de fato vendidos.
Até lá, a despesa com eles precisa ser ‘amortizada’, ou seja, distribuída ao longo do tempo que eles permanecerem no clube. Em 2017, o valor gasto foi de R$ 12.941.752, incluindo a manutenção da base e a aquisição de atletas. Em 2016, isso sequer aparecia no balanço.
O Vitória registrou as parcelas o Profut que paga em nome da empresa Vitória S/A. Antes, esses pagamentos apareciam no balanço como um empréstimo à empresa.
Por fim, o Vitória registrou as parcelas do Profut que paga em nome da empresa Vitória S/A. Em 2017, a despesa foi de R$ 1.225.261. Antes, esses pagamentos apareciam no balanço como ‘mútuo’, um empréstimo do controlador à sua empresa, esperando retorno. Ainda de acordo com o relatório, o clube não reconheceu a dívida total da Vitória S/A como sua, o que aumentaria o déficit consideravelmente.
Em 2017, Vitória fez até marketing com número de contratações (Foto: Bruno Barretto / EC Vitória) |
O clube está ‘quebrado’?
Os passivos agora reconhecidos estão parcelados a longo prazo, como a dívida do IPTU, em 60 meses. Já as indenizações não têm pagamento garantido, já que precisam de decisões na Justiça para que ocorram. Por fim, as despesas com atletas podem trazer, na realidade, retorno financeiro ao clube, desde que estes sejam negociados.
A exemplo disso, o CORREIO apurou que a direção de Ricardo David estima que é possível, em maio de 2018, aumentar a folha salarial do futebol profissional em pelo menos R$ 600 mil, sem contar com as contratações de Jeferson, Wallyson, Lucas Fernandes e Aderllan, realizadas em abril.
Isso não significa, no entanto, que o Vitória esteja em condição confortável. O próprio balanço aponta uma baixa milionária no caixa do clube. Em 2016, o rubro-negro fechou o ano com mais de R$ 23 milhões guardados. Em dezembro de 2017, esse valor era de pouco mais de R$ 1 milhão.
O balanço aponta uma baixa milionária no caixa do clube. Em 2016, o rubro-negro fechou o ano com mais de R$ 23 milhões guardados. No final de 2017, esse valor era de R$ 1 milhão.
Futebol passou pelas mãos de Sinval Vieira, Petkovic e Cléber Giglio (Foto: Maurícia da Matta) |
Gastos com futebol
Segundo o relatório, o Vitória gastou mais de R$ 87 milhões apenas com o futebol profissional em 2017. A maior parte deste valor foi com a folha salarial do elenco: R$ 46 milhões. Foi um aumento considerável em relação a 2016, quando o Leão gastou R$ 50 milhões com todo o futebol, sendo pouco mais de R$ 22 milhões com a folha salarial.
O Vitória em 2017 também passou muito longe do que estava previsto no orçamento, aprovado em dezembro do ano anterior. Segundo o que foi orçado, o custo total do futebol deveria ser de R$ 49 milhões, com uma folha salarial do elenco na casa dos R$ 34 milhões.
O Vitória gastou em 2017 mais de R$ 87 milhões apenas com o futebol profissional. Um aumento considerável em relação a 2016, quando o Leão gastou R$ 50 milhões.
Por outro lado, o aumento das despesas só foi possível por conta de um crescimento considerável das receitas do rubro-negro. Impulsionado pela venda de atletas como Marinho e Marcelo, que renderam aos cofres quase R$ 18 milhões, o Leão arrecadou mais de R$ 84 milhões em 2017.
Sendo assim, apesar da receita recorde, houve um déficit, considerando apenas o futebol profissional, na casa dos R$ 2,5 milhões. Somando as outras áreas do clube – base, administrativo, patrimônio – o Vitória teve o déficit de R$ 7 milhões citado no início desta matéria.
Vitória excedeu, e muito, o limite de déficit previsto no Profut (Foto: Bruno Barretto / EC Vitória) |
Como fica com o Profut?
Uma dúvida que surge agora é: como ficará o Vitória diante do Profut? O programa tem como uma das principais exigências que os clubes mantenham o seu déficit anual menor do que 10% das suas receitas. Os R$ 59 milhões, obviamente, estão muito acima disso.
Em entrevista ao CORREIO publicada no dia 23 de março, Ricardo David revelou que estava em negociações com a Apfut (Autoridade Pública de Governança do Futebol) para evitar que o Vitória sofra as consequências: “Firmamos com eles o compromisso de fornecer todos os dados necessários para mostrar que o Vitória vai cumprir neste ano com o que está preconizado”, disse.
O Profut exige que os clubes mantenham o seu déficit anual menor do que 10% das suas receitas. O Vitória está em negociações para não sofrer as sanções.
Portanto, as adequações que o Vitória apresenta no balanço deste ano, de reconhecer os passivos que eram ignorados pelas gestões anteriores, já mostra um passo do Leão nesta negociação com a Apfut. Entre as sanções previstas, está a de perder o parcelamento e ter de pagar R$ 94 milhões à União.
Cotas de televisão
Por fim, o relatório traz dados referentes aos contratos de televisão, principal receita do clube, que podem interessar ao seu torcedor. Em novembro de 2015, na gestão Raimundo Viana, o Vitória fechou um contrato com a TV Globo de cessão dos direitos de transmissão dos seus jogos para as temporadas 2019 e 2020.
O Vitória obteve em 2015 um adiantamento de R$ 18 milhões da TV Globo, que será quitado a partir de 2019 em quatro parcelas de R$ 4,5 milhões.
Com isso, obteve naquela temporada, quando disputava a Série B, um adiantamento de R$ 18 milhões de uma só vez. Esse adiantamento será quitado em quatro parcelas anuais de R$ 4,5 milhões, a primeira delas no ano que vem, e serão repetidas nas temporadas 2020, 2021 e 2022.
Pouco depois, em maio de 2016, o Vitória, ainda na gestão de Raimundo Viana, renegociou com a TV Globo e ampliou a cessão daqueles direitos em mais quatro anos, até 2024. Em troca, recebeu como premiação em luvas o valor de R$ 40 milhões, em uma única parcela. Como é possível ver no balanço, esse valor não consta mais no caixa do rubro-negro.
Resumo:
Passivos apropriados
Dívida do IPTU: R$ 19.098.307
Indenizações prováveis: R$ 19.353.911
Aquisição de atletas e base: R$ 12.941.752
Dívida do Vitória S/A: R$ 1.225.261
Caixa do clube
Caixa do clube em 2016: R$ 23.053.002
Caixa do clube em 2017: R$ 1.084.126
Futebol em 2017
Receita do futebol: R$ 82.484.587
Folha salarial do elenco: R$ 46.163.852
Total dos gastos com o futebol: R$ 87.013.615
Déficit do futebol: R$ 2.529.028
Futebol em 2016
Receita do futebol: R$ 104.647.790
Folha salarial do elenco: R$ 22.059.379
Total dos gastos com o futebol: R$ 50.841.148
Superávit do futebol: R$ 53.806.642