A TARDE: A área de saúde parece que encontrou o caminho para enfrentar o coronavírus através do isolamento social, e na área econômica o que se pode fazer?
Armando Avena: O isolamento social é a melhor forma de enfrentar o coronavírus. O isolamento evita o colapso do sistema de saúde e com isso reduz o número de mortos. É um remédio adequado que atua achatando a curva de contágio, distribuindo o número de infectados ao longo do tempo e assim evitando a concentração de doentes num momento especifico, o pico do contágio, protegendo o sistema de saúde. O problema é que ninguém sabe exatamente quando tempo isso vai durar. Os economistas estão no meio dessa incerteza. Se alguém garantisse que a pandemia iria durar 2 messes e depois acabar, os agentes econômico iriam se planejar. O governo viabilizaria empréstimos para as empresas e elas se programariam no tempo, restabelecendo o fluxo de caixa quando o problema acabasse. O governo faria transferência de renda para as pessoas e elas se organizariam para sobreviver com esse dinheiro nesse período. Mas não é assim: ninguém sabe exatamente quando o isolamento social vai acabar. O exemplo de Wuhan na China traz otimismo, pois após 2 ou 3 meses, a cidade anuncia que o isolamento vai terminar em 8 de abril. No Brasil, o Ministro Mandetta falou em agosto/ setembro. Seriam 5 meses e aí os efeitos na economia seriam dramáticos .
A TARDE: Já se pode mensurar o impacto na economia do mundo e do Brasil?
Armando Avena: O que está acontecendo na economia é algo muito grave, semelhante ou pior do que se viu na Grande Depressão. Geralmente, nas crises, existe um choque na oferta, quando há redução ou desestruturação na produção, ou um choque na demanda, quando as compras se reduzem drasticamente. Na crise atual a economia está sofrendo ao mesmo tempo um choque de oferta e um choque de demanda. É choque na oferta, porque a produção está caindo: fábricas fechando, falta de insumos, etc. E choque de demanda, porque o consumo está despencando, já que todo mundo está em casa. Com isso o desemprego aumenta, a renda das pessoas que vivem no mercado informal desaparece, as pequenas e médias empresas não podem pagar a folha de pessoal e os impostos e por aí vai. É verdade que o capitalismo é um sistema tão competitivo que busca saídas próprias, assim a economia permanece funcionando, com a aceleração do e-commerce, do delivery e outros expedientes. Mas isso só atende uma pequena parcela da economia, além disso, muitos dos deliverys de supermercados e outros já estão no limite de oferta. E isso funciona para quem continua recebendo salário ou tem uma reserva financeira, o que não é o caso para a maioria da população brasileira. Nesse cenário, o que se está desenhando é uma recessão mundial, e todos os países estão agindo para reduzir o impacto.
A TARDE: As medidas adotadas pelo governo brasileiro estão minimizando o impacto na economia.?
Armando Avena: O governo está tomando as medidas adequadas, mas tudo indica que precisará ampliar o escopo e a amplitude delas. Todos os países estão transferindo renda para as pessoas, adiando o pagamento de impostos e facilitando os empréstimos para as empresas, além de tentar preservar os empregos flexibilizando as leis trabalhistas com o governo cobrindo os custos. No caso do Brasil, entre outras, o governo anunciou a transferência de renda para as pessoas, ampliou o número de beneficiados pelo Bolsa-Família, vai permitir o saque do FGTS e anunciou uma transferência de R$ 200,00 para as pessoas do Cadastro Único, que não estão no Bolsa-Família. É pouco, as pessoas mais pobres geralmente recebem o Bolsa-Família e fazem bico para complementar a renda. No mercado informal, quem perdeu sua renda diária não vai conseguir sobreviver com R$ 200,00 reais por mês. É pouco e não vai resolver. Na atual situação, com os empregos desaparecendo, porque as empresas não vão conseguir mantê-los, o governo precisaria ter um programa de Renda Mínima para pelo menos 100 milhões de pessoas. Isso é possível num momento de crise grave e deveria ser feito. Ou seja injetar dinheiro na economia para assim viabilizar a sobrevivência é urgente, e é correto abandonar a meta fiscal e injetar dinheiro na economia no âmbito da demanda. Mas, com tudo o mais fechado, esse dinheiro será destinado somente às necessidades imediatas: alimentação e remédios. O resto da economia vai continuar parado.
A TARDE: E as medidas para apoiar as empresas?
Armando Avena: O mesmo ocorre ai. As medidas para dar mais capital de giro para as empresas, reduzir a carga fiscal e flexibilizar as relações trabalhistas são corretas. E precisam ser adotadas, senão muitas delas vão quebrar. É fundamental também que o governo cubra o custo de manter mão-de-obra em casa, senão o desemprego vai ser monumental. Aliás, já se fala em 40 milhões de desempregados, se o governo não assumir isso. Ou seja, todas essas medidas vão na direção correta e tentam evitar a quebra de empresas, mas isso só vai funcionar se o período de isolamento for pequeno. De que adianta a empresa tomar empréstimo, segurar a mão-de-obra, se não se tem ideia de quando vai voltar a produzir e faturar. Além disso, a maioria das empresas brasileiras, são micro e pequena empresas que terão dificuldades até para buscar esse dinheiro e de se manter assim por mais de 2 meses. O fato é que há um risco de que haja a quebra de muitas empresas e o aumento acelerado do desemprego.
A TARDE: Mas o que devemos fazer então?
Armando Avena: Não é fácil responder a essa pergunta. Temos de encontrar uma sintonia fina, fazer com que se coloque em primeiro lugar a vida das pessoas, reduzindo a possibilidade de contágio e, ao mesmo tempo, preservar a economia que, no final das contas, é fundamental também para a sobrevivência das pessoas. É preciso fazer o que o poder público está fazendo, mas, talvez, selecionar alguns setores que possam continuar funcionando, como a construção civil e outros, desde que com medidas sanitárias mais rígidas. Na verdade, o isolamento social é, neste momento, a única saída e deve ser seguido por todos. Mas não é a solução ideal. É uma solução que vai adiando o problema ao longo do tempo, mas se o tempo for muito longo o efeito colateral desse remédio pode ser a desestruturação de grande parte da economia. A solução ideal é a vacina ou um remédio eficaz, por isso os países deveriam colocar todos os recursos disponíveis para viabilizar essa solução.
A TARDE: O Brasil e o mundo vão entrar em recessão?
Armando Avena: Tudo indica que sim, mas ainda é cedo para fazer previsões. Há economistas que falam em uma queda de mais de 3% no PIB mundial. É cedo para fazer esse tipo de previsão, até porque, se a China tiver realmente vencido o vírus, pode haver algum crescimento no segundo semestre. No Brasil, um grupo na Fundação Getúlio Vargas já trabalha com uma redução no PIB brasileiro de 2,5%. Que haverá recessão é praticamente certo, mas o tamanho dela vai depender do tempo em que a economia vai ficar parada.
A TARDE: A Bolsa de Valores está despencando? Qual perspectivas nessa área?
Armando Avena: A Bolsa de Valores reflete a incerteza, o medo do futuro. Por isso vai continuar instável. Aqui é preciso dizer que o preço das ações não reflete o preço das empresas. Reflete a fuga dos investidores para o dólar e o ouro, que ainda são os ativos mais seguros do mundo. Muitos investidores ficam apavorados ao ver seu dinheiro desaparecendo com a queda no preço das ações na Bolsa de Valores. E com os fundos imobiliários despencando. Nessa hora o investidor tem de saber que cada ação que ele tem em mão representa um pedacinho do imobilizado físico e imaterial da empresa, por isso a queda no preço das ações é uma queda no papel, não necessariamente no valor real da empresa. As máquinas, os terrenos, a credibilidade da companhia ainda estão lá intactos e isso é a garantia de cada ação. Claro, o lucro das empresas vai cair, e os dividendos também, mas o valor da ação de uma empresa sólida jamais chega a zero. Se alguém pegar todos os ativos da Petrobras e dividir pelo número de acionistas, vaia dar mais que R$ 12,00, que é o preço atual em bolsa. Quando passar a crise os preços das ações vão se recuperar rapidamente. Mas aqui tem novamente o problema do tempo: muita gente acha que a crise vai durar muito e não quer esperar, prefere vender as ações e realizar o prejuízo
A TARDE: No caso da economia baiana, qual será o impacto?
Armando Avena: Tudo vai depender de como a pandemia vai se desenvolver aqui, até porque ela não atinge de forma homogênea todas as regiões. A economia baiana e nordestina tem empresas menos capitalizadas e mais frágeis. Aqui é preciso destacar que tanto o governador Rui Costa, quanto o Prefeito ACM Neto estão tomando todas as medidas necessárias, agindo com rapidez e eficiência. O governo federal finalmente abriu os olhos e disponibilizou recursos para os estados e suspendeu o pagamento da dívida interna. Mas é preciso destacar que a Bahia é um estado pobre, que grande parte da população de Salvador vive em favelas e habitações sub-humanas e que essa população não pode ficar isolada sem trabalhar, pois vive do rendimento diário. As empresas baianas também vão precisar de apoio e, mais cedo ou mais tarde, será preciso que o Governo do Estado e a Prefeitura de Salvador adiem ou flexibilizem o pagamento de impostos como ICMS, ISS e outros, vinculando o beneficio à preservação de empregos.
A TARDE Para vencer o coronavírus, será preciso destruir a economia?
Armando Avena: Este será o grande desafio para os nossos governantes. Colocar a preservação da vida em primeiro lugar, mas sem desestruturar completamente a economia. E é bom lembrar: se o day-after do coronavírus for uma economia destruída, a sobrevivência continuará em risco.
Publicado originalmente no jornal A Tarde,