Por Arthur Almeida, da Agência Einstein
A nova novela Três Graças, escrita por Aguinaldo Silva e exibida pela TV Globo, tem despertado a atenção para uma condição pouco conhecida pela maioria dos brasileiros: a hipertensão arterial pulmonar (HAP). A doença provoca o aumento da pressão nos vasos sanguíneos dos pulmões, sobrecarregando a parte direita do coração e tornando o órgão mais espesso e dilatado, o que diminui a quantidade de sangue que ele consegue mandar para o resto do corpo.
Na trama, a personagem Lígia (interpretada pela atriz Dira Paes) enfrenta o avanço silencioso da enfermidade grave, sem imaginar que o tratamento que vem recebendo há meses não tem eficácia, já que os remédios utilizados foram falsificados. O enredo reflete uma parte dos desafios vividos por pessoas com doenças de alta complexidade.
Segundo o pneumologista Alexandre de Melo Kawassaki, do Einstein Hospital Israelita, a baixa incidência de casos faz com que as características dessas condições sejam pouco conhecidas por profissionais não especializados, o que dificulta sua identificação e gera um cenário de subdiagnóstico. “Antes de um paciente receber o diagnóstico final de hipertensão arterial pulmonar, é relativamente comum que ele seja erroneamente diagnosticado com outros problemas de saúde, como asma, pneumonia e até ansiedade”, relata.
Os sintomas típicos da HAP são semelhantes aos dessas e de outras condições. Eles incluem falta de ar, cansaço, dor no peito, tontura e inchaço nas pernas, por exemplo. Outra dificuldade para o diagnóstico precoce está relacionada à dependência de exames pouco acessíveis, como o cateterismo cardíaco direito, utilizado para confirmar a hipertensão arterial pulmonar.
“O paciente com doença rara vive uma odisseia até chegar no diagnóstico correto e iniciar o tratamento. O tempo médio para o diagnóstico de uma doença rara é de quase seis anos no mundo”, aponta o pneumologista. “Essa demora aumenta o risco de desenvolver complicações que diminuem a qualidade e a expectativa de vida.”
A HAP não é um problema isolado. Como destaca um estudo publicado em 2019 no periódico European Journal of Human Genetics, ao considerar as mais de 6 mil doenças raras formalmente reconhecidas, estima-se que elas tenham uma prevalência de 3,5% a 5,9% na população mundial. Isso significa que entre 263 milhões e 446 milhões de pessoas convivem com algum desses diagnósticos.
Especificamente no cenário das condições pulmonares raras, outro exemplo são as doenças pulmonares intersticiais (DPI). Esse grupo engloba mais de 200 problemas caracterizados pela inflamação e cicatrização do tecido que envolve os alvéolos, dificultando as trocas de oxigênio nos pulmões. Dentre eles estão a fibrose pulmonar idiopática (FPI), a linfangioleiomiomatose (LAM) e a proteinose alveolar pulmonar (PAP). A seguir, saiba mais sobre essas condições.
Fibrose pulmonar idiopática
A fibrose pulmonar idiopática é uma doença crônica e progressiva que afeta os pulmões, provocando o surgimento de cicatrizes no tecido pulmonar e tornando a respiração cada vez mais difícil. Apesar dos avanços na medicina, ainda não se sabe exatamente o que a causa, mas a prevalência é maior entre homens com mais de 50 anos e com hábitos tabagistas.
Os sintomas incluem falta de ar, tosse seca persistente, cansaço e perda de apetite e de peso. Eles tendem a aparecer de forma lenta e discreta, o que colabora para o atraso no diagnóstico. No início, é comum que os sinais sejam atribuídos a idade ou falta de preparo físico; contudo, à medida que a doença avança, até atividades simples, como se vestir ou subir alguns degraus, podem causar grande desconforto respiratório.
“Basicamente, a condição faz com que a estrutura de sustentação dos pulmões, semelhantes a esponjas, adquiram um aspecto fibroso, o que dificulta a movimentação normal”, explica Kawassaki, que é integrante do Núcleo de Doenças Pulmonares Intersticiais do Einstein. “Sem essa complacência [capacidade de se esticar e expandir], o órgão apresenta dificuldade para garantir a entrada e saída de ar, em um processo que também compromete a troca de gás carbônico por oxigênio.”
O diagnóstico da FPI pode envolver uma série de exames, como testes de função pulmonar, análises de sangue, radiografia e tomografia computadorizada do tórax. Em alguns casos, o médico pode solicitar uma biópsia pulmonar.
Embora ainda não tenha uma cura, diversos tratamentos podem ajudar a aliviar os sintomas e atrasar a progressão da doença. Atualmente, o método considerado mais eficiente é aquele baseado em medicamentos antifibróticos, que reduzem a inflamação e a formação de tecido cicatricial nos pulmões.
“Infelizmente, esse tratamento não está disponível gratuitamente em todo o território nacional, apenas em alguns estados, como Pernambuco, Goiás e Minas Gerais, que o incorporaram ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, destaca o médico. Outras abordagens servem para suporte do paciente, como terapias com oxigênio e reabilitação pulmonar.
Linfangioleiomiomatose
A LAM acomete quase exclusivamente mulheres, geralmente entre 20 e 40 anos de idade. Sua causa ainda é desconhecida, mas acredita-se que esteja relacionada à proliferação anormal de células musculares lisas nos pulmões, levando à formação de cistos que comprometem a estrutura e a função pulmonar.
Os sintomas mais comuns são falta de ar progressiva, tosse, dor no peito e, em alguns casos, tosse com sangue (hemoptise). Muitas vezes, o primeiro sinal da doença é um pneumotórax espontâneo, quando o pulmão colapsa sem causa aparente. Também pode ocorrer acúmulo de líquido na pleura (derrame pleural).
Ela progride de forma lenta e constante, podendo evoluir para insuficiência respiratória. Há relatos de piora dos sintomas durante a gestação, provavelmente em razão da influência hormonal.
Seu diagnóstico é feito por meio de exames de imagem, como radiografias e tomografia computadorizada de tórax, que evidenciam os cistos pulmonares característicos. Um exame de sangue que mede o nível do fator de crescimento endotelial vascular D (VEGF-D) também é útil, já que níveis elevados dessa substância são frequentemente encontrados em pessoas com LAM.
O tratamento da linfangioleiomiomatose tem avançado nos últimos anos. O medicamento sirolimo, originalmente utilizado para evitar rejeição em transplantes renais, demonstrou eficácia em retardar o declínio da função pulmonar e melhorar a qualidade de vida de pacientes. “Graças à mobilização de associações de mulheres portadoras da LAM, o tratamento com sirolimo foi incorporado ao SUS em 2020”, lembra Kawassaki. “Isso representou um avanço significativo no cuidado dessas pacientes, que hoje têm melhores perspectivas de tratamento e acompanhamento.”
Proteinose alveolar pulmonar
A proteinose alveolar pulmonar é caracterizada pelo acúmulo anormal de proteínas, gorduras e outras substâncias nos alvéolos, pequenas estruturas dos pulmões responsáveis pela troca de oxigênio com o sangue. Essa aglomeração bloqueia a passagem do oxigênio, levando a falta de ar progressiva, cansaço, tosse persistente e, em casos avançados, insuficiência respiratória.
Embora possa surgir em qualquer idade, ela é mais frequente entre homens adultos, especialmente aqueles com histórico de tabagismo ou exposição a poeiras minerais e produtos químicos industriais. Por mais que não se saiba exatamente sua causa, não é incomum que apresente remissão espontânea.
Para o diagnóstico, é essencial a realização de exames de imagem, como radiografias e tomografias, que costumam revelar padrões alterados e ajudam a diferenciá-los de outros problemas pulmonares. Testes laboratoriais, broncoscopia e, em alguns casos, biópsia pulmonar também podem ser utilizados para confirmar o diagnóstico e identificar o nível de gravidade da doença.
Atualmente, não há cura definitiva para a PAP, mas existem tratamentos eficazes para controlar a doença e melhorar a qualidade de vida. O procedimento mais utilizado é a lavagem pulmonar total, na qual o pulmão é preenchido com solução salina sob anestesia geral e, em seguida, drenado para remover o material acumulado. Isso elimina mecanicamente o acúmulo de proteínas e gorduras dos alvéolos.
“Muitos pacientes apresentam melhora significativa após as lavagens pulmonares, enquanto outros podem ter uma evolução mais lenta ou complicada. Por isso, também existem outros tipos de cuidados com medicamentos. Alguns deles podem ser até encontrados via SUS”, conclui Alexandre Kawassaki.
