quarta-feira, 25 junho, 2025

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Conheça a história do Monumento a Salvador consumido pelo fogo

O monumento ficava na Cidade Baixa

Um dos cartões-postais de Salvador foi consumido pelo fogo na tarde deste sábado (21 de dezembro). Trata-se do monumento chamado ‘Fonte da Rampa do Mercado’, “Monumento às quatro raças” ou ‘Monumento à Cidade de Salvador’, do artista baiano Mário Cravo Júnior, construído nos anos 1970 em um dos extremos da Avenida Lafayete Coutinho, junto à Praça Cairú, na Cidade Baixa, em Salvador, em frente à rampa do antigo Mercado Modelo.

A Prefeitura de Salvador lamentou o caso e informou que vai reconstruir o monumento, por meio da Fundação Gregório de Mattos (FGM), que é ligada à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult).

Segundo nota divulgada pela Prefeitura, o projeto original da obra será usado para a reconstrução. O material será doado pela família do escultor, pintor, gravador, desenhista e poeta Mário Cravo Júnior, que nasceu no dia 13 de abril de 1923 e morreu em 1 de agosto de 2018. e fez parte da primeira geração de artistas plásticos modernistas da Bahia, ao lado de Carlos Bastos e Genaro de Carvalho.

Em 70 anos de atividade como artista plástico, ele reuniu inúmeras exposições individuais e coletivas, prêmios, esculturas em espaços abertos em muitos pontos do Brasil, sobretudo em Salvador, além de obras adquiridas por museus internacionais.

A obra consumida pelo fogo neste sábado foi encomendada pelo então prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães, avô do atual prefeito, Antonio Carlos Magalhães Neto. Em fibra de vidro e estrutura metálica, media 16 metros de altura, tinha circunferência de 65,6 metros e possuía dupla função: escultura e fonte luminosa.

“De todas as interpretações que lhe foram dadas, devido à sua forma arrojada e descomprometida com quaisquer elementos reais conhecidos ou representações óbvias, a que mais se aproximava era a semelhança às velas dos saveiros que costumavam atracar na rampa do mercado”, segundo explicação da Fundação Gregório de Matos.

O material com que foi construído, resina reforçada com fibra de vidro, foi utilizado em caráter experimental e ficou até hoje. A ideia era fazê-la depois em concreto armado.

De acordo com o Ipac-Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural a Bahia, a origem da Fonte da Rampa do Mercado tem relação com um acidente que causou a perda do antigo Mercado Modelo após o incêndio que o destruiu no final da década de 60 do século XX.

“Devido à modificação do sistema viário foi criado um espaço vazio entre a nova via e a Rampa do Mercado. O então prefeito resolveu valorizar a área e, para isso, solicitou ao escultor Mário Cravo Junior, em 13 de janeiro de 1970, a construção da fonte medindo aproximadamente 12 metros por 10. Tal fonte, pelo grande valor artístico e cultural, tornou-se significante marco da cultura baiana, na simbiose com o mar, com as velas dos barcos, com as curvas da topografia da cidade do Salvador, com o barroco das igrejas, das construções coloniais e no seu contraponto com a volumetria vertical da torre do Elevador Lacerda.”

O monumento foi tombado pelo patrimônio histórico em 1995.

Veja o documentário A Fonte, que mostra a montagem do monumento

Na trilha sonora do documentário, Bachianas Brasileiras/Haleo and The Wild Rose, por Gato Barbieri, e Funkadelic, por Eddie Hazel e George Clinton.

O crítico de cinema Marcos Pierry lembra o que disse o cineasta sobre o filme: “Essa escultura gerou polêmica na cidade e as pessoas a rejeitaram em um primeiro momento. Realizei um documentário estranho, uterino,erótico, na mesma linha que a escultura A Fonte representava para mim uma peça paradoxal, indigesta, de grande beleza. Hoje, ela é totalmente aceita e integrada à paisagem da cidade de Salvador, juntamente com o Elevador Lacerda”.

Segundo o jornalista e escritor Jolivaldo Freitas, autor de “Histórias da Bahia”, “Jeito Baiano” e “Baianidade”, a escultura “era uma obra emblemática que nunca passou desapercebida, embora os guias turísticos tivessem enormes dificuldades para explicar aos de fora e aos mais novos daqui mesmo o que ela queria dizer. A obra, pelo que se podia perceber, parece ter sofrido uma influência dos desenhos do arquiteto Oscar Niemayer, que construiu Brasília, até porque parecia excertos dos suportes do Palácio da Alvorada, coisa que Mário Cravo nunca admitiu”.

Jolivaldo Freitas lembra que ao ser instalada o povo não gostou da obra e não a entendeu, batizando-a de “Os Culhões de ACM”. Os artistas locais, “que sempre se detrataram nos bastidores”, destaca o jornalista, por sua vez a chamaram de “Os Culhões de Mário Cravo”.

Reconstrução

Representantes da Prefeitura estiveram no final da tarde no Comércio para avaliar as medidas que serão tomadas diante da destruição feita pelo fogo ao Monumento à Cidade de Salvador. O presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, disse que as negociações com a família do artista serão iniciadas imediatamente.

“Somente a partir da conversa com a família é que podemos dar uma posição sobre prazo e valor que a Prefeitura vai investir na reconstrução deste importante monumento. Mas queremos fazer isso rapidamente. Nosso desejo inicial é que essa obra de arte de Mário Cravo fique exatamente igual ao que era antes”, declarou Guerreiro.

O secretário municipal de Cultura e Turismo, Cláudio Tinoco, contou que os familiares de Mário Cravo já sinalizaram a disposição de colaborar. “Membros da própria família que trabalham na área artística podem contribuir com essa missão. Mas, se for necessário contratar alguém de fora para seguir o projeto original, também vamos fazer”, salientou.

O secretário lembrou das intervenções de requalificação feitas pela Prefeitura no Centro Histórico, inclusive no Comércio, a exemplo da Rua Miguel Calmon e da Praça da Inglaterra, e cobrou mais segurança por parte do Estado. “Outras obras estão em andamento nessa área histórica da cidade, onde há muitas ocorrências de furto e roubo de cabos, por exemplo. Além disso, a destruição de um monumento como esse é uma perda histórica irreparável. Precisamos ter uma providência na área da segurança para preservar todo esse conjunto arquitetônico”.

A polícia técnica foi ao local para iniciar as investigações sobre as causas do incêndio. A Defesa Civil de Salvador (Codesal) vai elaborar um relatório técnico para auxiliar todos os órgãos envolvidos.

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