domingo, 22 dezembro, 2024

EXPEDIENTE | CONTATO

Damico propõe repensar a Bahia com o trabalhador como norte

Candidato do PCB conversou com o A TARDE sobre suas propostas para uma Bahia menos desigual

O primeiro turno das eleições acontece em menos de uma semana. De olho nisso, o A TARDE conversou com os candidatos a respeito da Bahia que eles imaginam gerir nos próximos quatro anos, suas ideias de desenvolvimento para o estado e como pensam em melhorar a vida dos baianos.

A conversa a seguir é fruto da conversa com o candidato do PCB no pleito deste ano, Giovani Damico. Ele disputa a sua segunda eleição, a primeira foi em 2020, quando tentou uma vaga na Câmara Municipal de Salvador e não foi eleito.

Damico é professor da rede estadual de ensino. E muitas das suas propostas de governo vêm, além da sua vivência profissional, dos debates dentro do partido sobre uma Bahia possível, com mais igualdade, educação, saúde e segurança para o trabalhador e uma sociedade baiana menos desigual.

Abaixo, seguem as respostas dos candidatos sobre economia, segurança, educação, saúde e sobre o desafio que um partido com pouca representatividade institucional enfrenta em um processo eleitoral.

A TARDE – Atualmente, o agronegócio é talvez o principal motor da economia do país e da Bahia, em especial. Como que em um eventual governo vocês pretendem lidar com esse setor no estado?

Giovani Damico – A afirmação de que o agronegócio é uma indústria central para o nosso estado, como comumente vem sendo feita, parte depremissas complicadas. Primeiro porque o agronegócio é um setor que vem possibilitando, de fato, um acúmulo de capital, mas ele vem possibilitando, sobretudo, um acúmulo de capital privado. Porque o agronegócio, dentre outras coisas, é o setor mais isento de taxação. Então, o agronegócio exporta soja, sem pagar ICMS, por exemplo. E a gente perde a possibilidade de estar arrecadando impostos na maior parte dos produtos que hoje são exportados, em especial, as commodities. Então, a gente tem o primeiro problema que é o que fazer com essa situação e, na nossa perspectiva, o Estado precisa arrecadar com essa fonte de recurso que vem sendo apropriada privadamente. Além disso, o nosso modelo de agronegócio   vem vendendo produtos de baixa complexidade. Você pega um grão de cacau, por exemplo, que é produzido no sul da Bahia, e deixa de utilizar esse grão dentro da Bahia, para beneficiá-lo, transformar em produtos e na produção de bens, estéticos, cosméticos, produção de fármacos… Mas vende-se o grão in natura. Isso nos retira uma série de potencialidades de criar, inclusive, outros postos de trabalho, de criar indústrias de alta complexidade que geram outros bens de maior valor agregado. Além disso temos outros dois problemas que precisam ser pontuados, que é o problema ambiental  gigantesco no agronegócio. Ele é, sem dúvida, o principal responsável por um verdadeiro desastre ambiental. A gente tem um processo de desertificação em curso, a gente tem diversos lençóis freáticos sendo secados, em especial no oeste baiano e a gente tem água de superfície contaminada pelo uso intensivo de agrotóxicos e, ao mesmo tempo, a gente vai ter a destruição de florestas. A gente tem ataques e atentados sistemáticos a comunidades tradicionais, como as comunidades indígenas, quilombolas e as comunidades de pequenos produtores. Diversos movimentos pela terra no interior do estado são tratados como alvos a serem combatidos pelo nosso modelo de agronegócio e o Estado tem assistido de maneira omissa o processo de grilagem de terra. Inclusive, existe uma quantidade considerável de terra pública nas mãos do agronegócio e o governo do estado não tem nenhum tipo de processo de retificação. Essa é uma coisa que está nosso projeto: uma avaliação e reavaliação sistemática desses títulos de terra. Sem falar da necessidade de observarmos o uso social dessas terras. Quais são as terras que devem ser direcionadas para a produção de alimento, em especial pautados na pequena produção e associados com cooperativas, que é um outro projeto estruturante que a gente vem discutindo, cooperativas, financiadas pelo estado. O estado vai precisar refundar a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola, a EBDA. E essas cooperativas nas quais devem ter, ao mesmo tempo, incentivos materiais, incentivos técnicos, capacitação e insumos, então essa é a nossa perspectiva para lidar com a questão da do agronegócio.

A TARDE – Um dos pontos do seu programa fala sobre a implementação do “Programa Baiano de Pleno Emprego”. Como se daria a implementação desse projeto na prática?

Giovani Damico – O plano vai trabalhar em algumas frentes. Uma primeira premissa dialoga com o que a gente falava há pouco. A situação do campo é a origem primeira do desemprego no nosso estado. Ela é fruto de um processo de mecanização acentuada. No interior do estado, nesses latifúndios, essa mecanização provoca a expulsão da população do campo para as cidades, então, se tem cada vez menos mão de obra empregada no interior do estado e essas pessoas se veem obrigadas a se deslocar para cidades maiores, o primeiro desafio, e isso está dentro do nosso Programa de Pleno Emprego, é trabalhar para a fixação da população no campo, no sentido de que a população, em geral, vem abandonando as suas cidades e regiões não porque o que querem né mas porque não tem acesso à terra ou porque não tem acesso a trabalho. Uma parte grande do nosso programa vai consistir nessa criação e implementação de cooperativas no interior do estado e elas estarão em áreas diversas, produção de leite, de produção de mel, de beneficiamento de grãos e assim por diante. Então a ideia é pegar os produtos agrícolas que são produzidos e que eles sejam beneficiados ainda no campo, criando verdadeiros cinturões produtivos no interior do estado. Isso vai dialogar também com o projeto de criação de indústrias no interior do estado com o próprio capital público. A gente precisa para isso de um banco de fomento agrícola para financiar, dentre outras coisas, essas potencialidades regionais com o próprio estado sendo um agente indutor dessa transformação nos paradigmas produtivos. Teremos o estado abrindo indústrias farmacêuticas com todos os produtos dali de determinada região que tem potencial serem transformados em insumos farmacêuticos, por exemplo. Dentro do nosso programa a gente abarca aqui plantas que estão sendo fechadas ou abandonadas pela iniciativa privada e devem ser assumidas prontamente pelo estado. Como foi o caso recente ao qual assistimos da Ford, que fechou as portas em Camaçari e o estado acabou assistindo de braços cruzados a situação.

A TARDE – Aproveitando o gancho que o senhor falou sobre o fechamento da Ford, como impedir esse processo de desindustrialização do estado?

Giovani Damico – Na nossa perspectiva, o trabalho deve ser tratado como um direito porque, a partir do momento em que se trata o trabalho como um direito, ele se torna um dever de o Estado dar a sua garantia. Então, a plena implementação disso vai ser uma parte fundamental do nosso programa. Se uma empresa passa quase 30 anos no nosso estado com isenções fiscais, com toda uma infraestrutura que foi criada com o fundo público, estradas, eletrificação, gasodutos, etc.. Essa empresa lucrou por três décadas e, ao decidir fechar as portas, ela sai sem ter absolutamente nenhum tipo de contrapartida para o nosso estado. Essa é uma situação na qual, na nossa perspectiva, o Estado deve assumir para si aquela planta e informar: os computadores de vocês e os arquivos são de posse da empresa, mas essa planta industrial ela é de uso de legítimo e direito do estado da Bahia porque ela só foi possibilitada a partir do fundo público. Então, o Estado assumiria para si aquela planta industrial, inclusive com a perspectiva de manter todos os empregos que já estavam ali associados. Quando a gente pensa no polo de Camaçari e toda a rede que se criou em torno da produção da Ford, eram cerca de cem mil empregos que estavam ali vinculados e ficaram numa situação de abandono. Na nossa perspectiva, o estado tem aí uma responsabilidade a chamar para si. Qualquer empresa que decida encerrar suas atividades, que passou por um processo de isenção fiscal ou que tem um potencial estratégico para geração de empregos na Bahia, o estado deve assumir e, em casos em que sejam devidas indenizações, o estado pagará.

A TARDE – Um dos temas centrais nestas eleições é a criação, manutenção ou ampliação de programas de transferência de renda. Como o senhor vê essas propostas e quais formas o senhor propõe para que se reduza a desigualdade econômica na Bahia?

Giovani Damico – Alguns programas de transferência de renda têm um problema intrínseco. Você constrói um programa que deveria receber um tratamento de auxílio emergencial e você não constrói as condições para que aquele próprio problema possa ser superado. Esses programas para nós só fazem sentido se eles veem em consonância com programas de superação da necessidade dos próprios auxílios. Então, quando a gente fala do nosso Programa de Pleno Emprego, esse é o nosso principal programa para que a gente crie as condições materiais para que a população deixe de depender, em sua maioria, dos auxílios de transferência de renda. A transferência de renda nesse caso se tornaria para situações muito específica. Seja no caso de pessoas que não têm condições de trabalhar e aí cabe ao estado assumir. E aí você deve, ao mesmo tempo ter uma possibilidade de, por um período, garantir e para nós deve ser, no mínimo, um salário-mínimo, mas ao mesmo tempo atrelados a oferta de condições materiais para superação do próprio auxílio. Agora, quando a gente fala de políticas sociais, a gente não pensa apenas na política de transferência de renda e da própria geração de emprego como a gente diz. A gente pensa também em política de habitação. Porque uma política de habitação para a Bahia hoje praticamente inexiste. Ela vem no nosso programa considerando que o direito à moradia é um direito fundamental e que o estado deve chamar para si essa responsabilidade. Aí falamos da necessidade da criação de um banco estadual de fomento à habitação e da construção de uma empresa baiana de construção civil. O que potencializa vários níveis, inclusive esse programa econômico que a gente apresenta aqui, porque a construção civil tem um potencial ativador muito grande. Um outro elemento necessário que a gente vem insistindo é de que a gente precisa mirar para que o salário-mínimo alcance o salário-mínimo do Dieese. No nosso programa, a gente vai apontar que, em um primeiro mandato, a gente teria como objetivo instaurar na Bahia um modelo de salário-mínimo estadual que procure alcançar, pelo menos, a metade do salário referência do Dieese. Essa é uma política permanente de superação das necessidades dos programas emergenciais. É por aí que a gente pensa a questão.

A TARDE – O senhor é professor da rede estadual e vivencia o dia a dia na sala de aula. Os índices da Bahia nessa área tem sido motivo de críticas por parte dos opositores à gestão atual. O que senhor pretende fazer para reverter esse quadro da situação da Educação no seu governo?

Giovani Damico – O primeiro desafio para nós dentro da educação é a quebra de um paradigma que considera que o dinheiro que se investe na educação não é um gasto. Um desafio de partida que a gente precisa considerar é que o investimento que se faz em educação é um investimento em desenvolvimento humano é um investimento para o desenvolvimento do nosso estado. E aí a gente traz isso para uma série de propostas bem mais práticas. Uma que a gente vem insistindo é a necessidade imediata de redução do número de alunos em cada sala de aula. A gente saindo da situação quarenta, cinquenta alunos em sala de aula atual para um limite máximo de vinte a vinte e cinco alunos em cada sala de aula. Essa é, inclusive, uma proposta que boa parte da infraestrutura necessária para sua viabilização já existe. Porque o governo do estado vem fechando escolas e, ao mesmo tempo, as escolas que permanecem vem fechando turnos. Então diversas escolas estão apenas com matutino e poderiam estar com matutino e noturno. E, com isso, a gente garante que as salas sejam desmembradas, subdivididas. O que nos traz todo um potencial a ser incrementado no processo de ensino-aprendizagem com o professor com menos alunos em sala de aula. Ele conhece melhor os seus alunos, conhece melhor as suas dificuldades, suas potencialidades e consegue trabalhar isso numa medida muito mais justa. E na situação atual, o professor malmente consegue saber o nome de seus alunos. E a gente vê um quadro de adoecimento muito grave do educador, que piora a partir do momento em que os concursos são sempre muito defasados, a gente tem muito mais professores saindo do que concursos trazendo professores para repor nossos quadros pessoal e a gente tem um desafio de alocar nossos professores na sua área de formação. Temos muitos professores fora da sua área de formação. Eu próprio já estive várias vezes nessa situação. Eu sei conheço meus colegas, sei dos seus empenhos e não tem como ter o mesmo proveito um professor de geografia dar uma aula de ciências do que um professor de ciências dá uma aula de ciências. A gente vai precisar também resolver a questão de elementos de infraestrutura a serem trabalhados para que a gente tenha salas ventiladas, em especial, após a pandemia. A gente precisa ter também recursos tecnológicos adequados. A gente precisa avaliar que temos índices de evasão tão grandes. O estado tem um dever de garantir que os nossos alunos possam ter espaços no seu tempo para lazer e para. Isso significa que a gente precisa ter política de bolsas para os nossos alunos, que a gente precisa de transporte público gratuito e de qualidade sendo garantido para que as escolas não precisem encerrar o horário de aula mais cedo, já que o transporte está escasso, que é o caso de várias escolas, inclusive da que eu leciono. Lá a gente precisa fechar uma hora antes porque senão os alunos não têm transporte para voltar para casa. Precisamos de uma para trazer os alunos para um programa de permanência estudantil, que significa também merenda escolar, significa também almoço, significa você ter quadras poliesportivas nas escolas para trazer a possibilidade de implementação plena do esporte na escola. E aí juntando com programas de lazer e de oferta de cultura. Esse é o desafio geral e temos ainda alguns desafios para a educação superior. A Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia, a Fapesb, está em uma situação muito grave de financiamento das pesquisas. O próprio projeto de planos e carreiras que os professores sejam na rede básica, seja na rede superior, tem sido atravancado pelo próprio estado. Um professor tenta se qualificar e não consegue uma progressão de carreira, algo que já está previsto no plano de carreira. A gente precisa implementar algumas coisas que já existem na lei e precisamos criar outros mecanismos para colocar a educação na centralidade que ela merece.

A TARDE – Uma de suas propostas é a supressão do vestibular nas Universidades da Bahia. Como se daria isso na prática?

Giovani Damico – Essa é uma proposta que eu digo, sem medo de errar, que é fantástica e ela dialoga com os anseios da nossa juventude, porque os vestibulares são instrumentos de cercear o direito de acessar o Ensino Superior. A gente não precisa longe para encontrar alternativas ao vestibular. A Argentina, nossa vizinha, um país com condições históricas e socioeconômicas parecidas com as da gente pode dizer. O país conseguiu suprimir completamente o vestibular dentro da educação pública. Para implementar na prática um programa de fim do vestibular a gente precisa de um programa de ampliação das universidades. Isso significa inclusive repensar como que é esse método de entrada nos primeiros anos na universidade. Existem experiências interessantes que vão dialogar quando você tem um ciclo básico para os jovens conhecerem as grandes áreas e entenderem qual é exatamente a sua afinidade. Dessa forma, o recurso público é melhor utilizado a partir do momento em que o jovem primeiro transita nessas grandes áreas e depois se especializa na sua área de interesse.

A TARDE – Um dos maiores atrativos que a Bahia tem para o turismo é sua história e a cultura, sobretudo a afro-brasileira. São pontos que o Sr. pretende focar para incentivar o fluxo turístico no estado?

Giovani Damico – Pensar no turismo do nosso Estado é pensar o nosso território, o acesso ao nosso território, as nossas redes de logística e a segurança. Porque a Bahia, o nosso território vem se tornando cada vez mais inseguro. E isso torna o estado menos convidativo. Pensamos em uma transição nos modais de transporte e a complementação de vias ferroviárias para que a gente possa acessar o interior do estado com potenciais, como a Chapada Diamantina, como a região norte, onde tem turismo de caverna, ecoturismo no rio São Francisco, na região de Paulo Afonso, como o turismo também… A gente precisa de uma rede de integração. Junto a isso, há também a questão da qualificação profissional nas próprias escolas da rede estadual em parceria com a Bahiatursa. Além disso, quando a gente pensa nas políticas de cultura da Bahia, vai ter ainda uma vinculação gigantesca de recursos para grandes shows e grandes eventos e a gente vem desidratando iniciativas de cultura local, como samba de coco, como Bembé, na região do Recôncavo, por exemplo. Então o estado precisa descentralizar esse recurso e ser direcionado para o acesso pleno a uma cultura popular. E isso dialoga, inclusive, com o turismo religioso, no qual temos diversas potencialidades com as nossas religiões de matrizes africanas, por exemplo.

A TARDE – Um dos seus pontos programáticos é Reformulação do concurso público e dos objetivos das Forças de Segurança Pública. Por que mudar essa forma de seleção e como seriam selecionados os policiais em um eventual governo do senhor?

Giovani Damico – Quando a gente fala da reformulação dos concursos públicos para policiais, a gente tá criando novos paradigmas de seleções profissionais porque, se nós temos nas nossas periferias condições para a maior parte daquela população que, historicamente vivem em condições de exploração, de desumanização, de um histórico colonial, de um histórico racista, que coloca a população periférica como alvo de violências sistemáticas, e a nossa atual política de segurança pública recriminaliza quem já é criminalizada, a a gente trata os problemas sociais como se eles nascessem na periferia. Quando eles não nascem na periferia. A periferia é apenas uma amostra daqueles problemas, assim como drogas não nascem na periferia, armas não nascem na periferia, mas a política de segurança pública mira seus alvos na periferia e aí cria um processo de revitimização daquelas comunidades e daqueles jovens. Então quando a gente cria um novo paradigma de segurança, a gente precisa selecionar um outro perfil de profissional que tenha entendimento da nossa construção histórica e que tenham o entendimento social de que como aquelas comunidades precisam ter um tratamento ainda mais diferencial. Com mais proteção, com mais estímulo a entendimento para que o estado distensione as relações cotidianas nas quais a presença do policial não se torne apenas um instrumento de reforçar a violência sistemáticas. Por isso, que a gente defende a criação de uma instituição ou outra que dê lugar a uma polícia de proteção, uma política de vida na qual a seleção de profissionais necessariamente vai ter que atender esse perfil e, aí, a gente vai chamar a sociedade e a gente vai chamar os observatórios internacionais para discutir esses novos instrumentos de segurança pública. Sim. A gente precisa selecionar um profissional que entende que a instituição polícia ela está diretamente ligada a um instrumento de extermínio do povo preto e a gente não pode continuar selecionando uma pessoa que acredita que a polícia vai solucionar os problemas sociais. Ela precisa entender que a polícia faz parte dos problemas sociais. A gente não pode selecionar uma pessoa que tem apetite pela violência. A gente precisa selecionar essas pessoas que tinham tudo para ser um professor de História e Geografia, por exemplo. Mas como é que seria feito esses filtros assim? Em certeza começa pela pelo concurso público e essa seleção não vai ser apenas numa perspectiva psicotécnica, a partir do conhecimento e da bagagem que esses pretensos policiais vão trazer. Vai ser uma seleção mais difícil, vai ser seleção mais rigorosa, mas vai ser uma seleção a favor dos interesses da população baiana.

A TARDE – O que o senhor propõe é a desmilitarização da polícia?

Giovani Damico – Isso tudo é um projeto de desmilitarização, mas, muito mais do que uma palavra de ordem, como as vezes vai aparecer em alguns segmentos, para nós é um projeto de sociedade. Não à toa o nosso programa começa com “vida”. A gente está falando de vida aqui no sentido de uma política de incentivo à vida. A cada vez que a nossa política de segurança pública se traduz em mais disparos, em mais armamentos e em mais violência, a gente está assinando uma declaração de falência. E o nosso objetivo é subverter essa lógica para que o estado assuma um papel de promoção da proteção. Isso significa, em vários casos, abdicar, inclusive, de que é necessariamente sempre o estado o agente a garantir a proteção. Em diversas comunidades, elas próprias têm muito mais condições de auto-organizar seus instrumentos de proteção. Porque elas conhecem melhor o seu cotidiano. Elas conhecem aqueles jovens, conhecem aquelas famílias, conhecem as particularidades e temos experiências interessantíssimas como na nossa vizinha Venezuela. O Estado oferece subsídios, instrumentos, e às vezes treinamentos e formação política, para fomentar guardas comunitárias. A Venezuela sob o ponto de vista da segurança pública nos dá uma aula e é um país que tem um histórico colonial assim como o nosso. É um país que passa por algumas dificuldades sistêmicas que o Brasil também passa. Mas é importante ressaltar, a gente não está pontuando o armamento da população. A questão é que a gente está entendendo que a polícia faz parte de um problema de violência e entendendo a sociedade do ponto de vista histórico, ela está num contínuo colonial no qual a polícia é essa instituição fadada ao fracasso que representa os interesses da burguesia e representa a proteção da propriedade privada. Parece que a gente está falando palavra de ordem, mas não é. A gente vai ter que questionar também essa liberdade de disparos que se tem dentro da cultura da polícia da Bahia. Quando a gente fala da redução dos disparos na nossa polícia, a gente está dizendo que não vai punir um policial que atira, mas a gente vai criar problemas burocráticos para cada disparo. Isso não põe nenhum policial em risco, porque são problemas burocráticos. A gente não vai reduzir o número de munição no bolso dele. A gente vai botar o estado na cabeça dele. O policial vai ter que ser mais profissional de segurança pública e menos policial.

A TARDE – Ainda na área de segurança. Em São Paulo, o monitoramento dos agentes teve como resultado a diminuição de 80% da letalidade policial. O que acha dessa medida?

Giovani Damico – A gente entende que essa medida é uma medida importante, mas que ela ainda é tímida. Todos os instrumentos que possam garantir que a atividade da segurança do estado possa ser fiscalizada, que é exatamente a nossa ideia. Contabilizando os disparos, a gente vai poder avaliar como é que foi aquela ação. Foi um uso legítimo na medida adequada na força ou se houve um uso ilegítimo inadequado e desproporcional da força. Então, a utilização de câmeras, ela vem exatamente nesse sentido de garantirmos mais possibilidades de averiguação.

A TARDE – Ah no seu programa a previsão da proibição de publicação da versão da polícia sem igual representação midiática das lideranças de bairro, entidades investigativas e órgãos de controle da atividade. Na prática, como seria isso?

Giovani Damico – O nosso esforço aqui é de dar voz para uma dinâmica que é complexa e que ela é mostrada de uma maneira unilateral e frequentemente quando não de uma maneira falsa. Para trazer um exemplo muito concreto e muito recente, faz menos de um mês que tivemos em Santo Antônio de Jesus um jovem rendido, com as mãos na cabeça, foi baleado com vários tiros pela polícia, que afirmou no seu relato que ele teria reagido e, por isso, ele teria sido baleado. Mas por ocasião de algumas câmeras do bairro se provou falsa essa versão. É exatamente esse tipo de situação que nós pretendemos impedir. A gente precisa dar amplo espaço ao contraditório. Para que sejam escutadas as versões multilaterais da própria mídia por vezes tenham acesso mais amplo a essa gama de informações, porque a gente precisa entender, de fato, os processos da forma que eles estão acontecendo.

A TARDE – No quesito saúde. O seu programa fala, dentre outros pontos, de uma “reestruturação radical do cuidado em saúde mental. Por que tratar especificamente desse ponto?

Giovani Damico  – Quando a gente vai fazer um estudo mais minucioso das condições de vida da população trabalhadora brasileira e baiana, a gente vai ver como a deterioração da saúde mental tem caminhado numa velocidade tão grande e o Estado vem assistindo essa situação como se estivesse na arquibancada e, com o quadro pandêmico, a gente viu uma piora ainda mais acelerada de um crescimento silencioso de casos de suicídio. Além disso, o Brasil tem um crescimento silencioso de casos de dependência crônica em medicamentos como diversos antidepressivos e ansiolíticos. Então, problemas de uso indevido de uma série de medicamentos vem se tornando também problemas crônicos e a nossa cobertura em atenção psicossocial é muito baixa, muito limitada. Aliás, um espaço da saúde mental é tratado ainda como um espaço de exclusão. Diante disso, a gente tem uma perspectiva de trazer uma centralidade para a questão da saúde mental, considerando, inclusive, que a saúde mental é um dos fatores para a garantia da saúde física. Para reformular a atenção na saúde da Bahia, a gente vai precisar colocar o estado se chamando para ter a responsabilidade na garantia de uma saúde pública de qualidade, quebrando essa ideia de terceirizar tudo, porque toda vez que terceiriza e se desresponsabiliza da oferta de serviço de saúde, eles estão sendo transformados em produtos e a empresa vai oferecer o que é mais rentável, ela deixa de oferecer o exame necessário e vai oferecer o exame que dá mais lucro. São várias lógicas que vão precisar ser repensadas. Um estado que tenha laboratórios de análises clínicas. A Bahia tem potencial e o investimento hoje é muito dispersado porque a gente conhece muito mal nossa população.

A TARDE – Qual a avaliação que o senhor faz da disputa eleitoral deste ano para o governo e a avaliação que faz da própria candidatura nesse cenário?

Giovani Damico – A gente tem utilizado nessa campanha para discutir um programa para a Bahia e problemas que são jogados para debaixo do tapete para o segundo, terceiro, quarto plano. E, em todos os espaços de diálogo e interlocução que a gente acessa, chega com materiais, com panfletos, com diálogos e a gente sempre recebe uma intensificação daquele trabalho. As pessoas se identificam com nosso projeto e se propõem a passar adiante. Ao mesmo tempo, essa é uma campanha que tem falado muito sobre democracia. Ela tem falado da necessidade de qualificarmos a democracia que temos e que democracia queremos. É importante que se diga que o PCB é o único partido que não recebeu fundo especial de campanha. Não é porque o PCB não prestou suas contas, é porque a prestação de contas do PCB não foi julgada pelo TSE. Mas a gente sabe que, na prática, essas são estratégias e subterfúgios jurídicos que criam uma semilegalidade para partidos, em especial para os partidos que estão fazendo um movimento de criticar az temáticas sensíveis, de propor temáticas que mexem com interesses de poderosos. O fundo eleitoral foi restrito sob argumentação de que você tornaria o gasto público mais eficiente e aí criou a cláusula de barreira e, na prática, o fundo eleitoral foi triplicado. Há partidos que recebem R$ 800 milhões e o PCB que, teoricamente, deveria receber a cota mínima. Então estamos fazendo a nossa campanha com R$ 5 mil arrecadados a partir de vaquinhas e do próprio bolso, tendo que pagar combustível no cartão de crédito. Ainda assim, essa campanha em todos os espaços que a gente transita, ela tem sido uma vitória.

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