Tem de acarajé de 1kg aos veganos
Pôr do sol, mar do Rio Vermelho e, para completar, um acarajé quentinho com muito camarão. A publicitária Gabriela Martinez, 30 anos, não costuma trocar essa experiência por nada. Até que a praticidade bateu em sua porta na forma de um acarajé quentinho, que veio direto do tabuleiro para sua casa na garupa de um motoboy.
“Adoro a experiência do Rio Vermelho, mas pegar a fila do acarajé é complicado, então, adorei a facilidade do delivery. Gostei tanto da proposta quanto do produto. O Rio Vermelho é hors concours, mas pediria de novo, com certeza”, diz ela, que é autora do blog Onde Comer em Salvador.
No caso do Rei do Abará, a ideia foi da filha do casal, que estuda Publicidade. Ela achou que era hora de dar uma ‘movimentada’ nas coisas – até porque muita gente passou a evitar sair de casa, seja por segurança ou para evitar tomar a cervejinha e dar de cara com uma blitz de Lei Seca.
“Ela montou, contratou um motoqueiro e estamos nos aperfeiçoando, vendo onde estamos acertando e errando. Nós estamos lidando com gente”, diz Cláudia.
Quando começaram o negócio, vendiam somente abará. Raimundo, que trabalhava como técnico em edificações saiu de uma empresa que estava falindo. Com uma receita da mãe, fez uma panela de abará e vendeu na porta de casa, em Itapuã. Esgotou. No dia seguinte, dobrou a quantidade. Vendeu tudo de novo. No terceiro dia, triplicou. Era um sucesso.
Hoje, eles preparam cerca de 100 acarajés e 100 abarás por dia (R$ 9 sem camarão; R$ 10 com camarão), mas estão vulneráveis a fatores como chuva e períodos de festa em que a cidade fica mais vazia. Por isso, a ideia era aumentar as vendas. Desde o começo do delivery, já cresceram 20%. Para receber em casa, é preciso pagar uma taxa de entrega que varia de R$ 5 a R$ 15, a depender do bairro.
Os clientes aprovaram a novidade – às quintas e sextas, pelo menos 10 pedidos para o delivery são recebidos; aos sábados, quase metade. Mesmo assim, Cláudia acredita que a novidade seja para um público específico.
“O povo ainda gosta de sair de casa e sentar num lugarzinho com a família, mas como é algo que está começando agora, de repente pode consolidar”.
Um quilo
O primeiro a oferecer o serviço de delivery foi o Exagero de Acarajé, cujo principal produto é o bolinho de um quilo. A empresa foi fundada em outubro de 2016, mas a ideia veio bem antes – mais especificamente, em meados de 2013. Na época, o proprietário, Caíque Lopes, 24, tinha sido demitido do emprego de recepcionista em um hospital. Um dia, foi levado por um amigo para comer o famoso acarajé de um quilo na Liberdade.
Ficou encantado com o bolinho, que era grande e barato. “Tinha uma enorme fila e, nesse meu tempo de espera, comecei a ter ideias. Comentei com o colega que poderia ser delivery e atender mais rápido. Passaram os anos e não segui com a ideia. Mas, em 2016, ainda desempregado, eu e minha mãe dissemos que tinha chegado a hora”, lembra. A mãe, Mônica, é hoje sua sócia.
Caíque, criou, então, um banner digital e divulgou nas redes. Queria saber o que as pessoas achavam. Como a reação foi positiva, seguiu em frente e comprou as panelas – mesmo sem saber nem como fazer um acarajé.
“Fui atrás de uma baiana e encontrei dona Neuza. Ela me ajudou desde o início. Fazia os abarás, preparava os ingredientes e me passava todos os segredinhos. Meu primeiro abará ficou parecendo uma paçoca, de tanto amendoim que eu tinha colocado”,brinca Caíque.
Hoje, dona Neuza não está mais na equipe de seis pessoas, mas a receita dela permanece, com uma ou outra alteração.
Montaram um ponto de venda no Engenho Velho de Brotas e trabalham somente com entregas. Por mês, chegam a vender cerca de mil acarajés – por R$ 8 sem camarão e R$ 10 com camarão. O maior foco é a divulgação, principalmente nas redes sociais.
“Quando começou, a gente fez uma divulgação bem simples no Instagram, mais com aquela coisa da galera do bairro. Mas, em pouco tempo, tudo foi crescendo e o Instagram nos ajudou muito. Muita gente conheceu através disso e começou a seguir, fazer pedidos”, conta a prima de Caíque, a estudante Stephanie Lopes, que assumiu as redes sociais da marca.
Os motoboys são terceirizados. Por enquanto, o Exagero de Acarajé não chega em alguns bairros da cidade, como São Cristóvão, Itapuã e o Subúrbio Ferroviário. No entanto, isso deve mudar em breve.
“Sei que não tem como abraçar a cidade toda, mas estou querendo colocar outros pontos fixos para abranger mais bairros”, adianta Caíque. Em até dois meses, ele planeja implantar um ponto no Nordeste de Amaralina. E, para ele, esse tipo de negócio pode virar tendência entre os clientes, mas não tanto entre os empreendedores. “Pela quantidade de trabalho, acho um pouco difícil. Eu aguento porque gosto mesmo, já criei paixão. Mas se a pessoa quiser só pela renda, não vai conseguir. Desde que comecei, não tenho um domingo livre. Todos são aqui”.
Delivery vegano
A proposta do Veganas Baianas é um tanto difererente. Há dois anos, a biomédica Hanna Soares, 34, fundou a empresa, depois de vender comidas veganas no Rio de Janeiro, onde morava. Baiana, voltou para Salvador e percebeu a demanda por comidas veganas aqui. “Pensei: por que não fazer comida baiana vegana?”, diz ela, que é vegana há três anos, mas começou como vegetariana há 11.
Na empresa, fazem quentinhas por encomenda. Os pratos são congelados e normalmente são entregues com pelo menos 48 horas de antecedência. O acarajé é o único que é frito na hora. Cada prato com 500 gramas sai por R$ 20. Por semana, ela e uma funcionária têm preparado – e vendido – entre 70 e 80 quentinhas.
Além do acarajé e do abará por encomenda, o cardápio, que é divulgado semanalmente, costuma incluir muqueca (em substituição ao peixe, jaca ou banana da terra, por exemplo) e bobó de vegetais.
“Ser vegano é mais do que uma questão de alimentação, porque o vegetarianismo estrito não ingere nenhum tipo de animal, só que os veganos respeitam os animais de forma mais abrangente”, explica Hanna, que aprendeu a cozinhar ‘por necessidade’.
Segundo ela, as receitas de comida baiana levam os mesmos temperos das tradicionais – a única diferença é que não tem nada de origem animal.
Atualmente, mais de 80% dos clientes não são veganos. Na verdade, são desde pessoas que têm vontade de se tornar a pessoas curiosas ou que simplesmente querem comer de maneira mais saudável. Para o delivery, ela usa o Box Delivery – um aplicativo que é uma espécie de ‘Uber’ para entregas por motociclistas. Cerca de 95% dos clientes preferem o serviço delivery.
É o caso da professora universitária aposentada Maslowa Freitas, 62. Ela, que faz pedidos de quentinhas quinzenais, não dispensa o delivery. Embora não seja vegana, conheceu o serviço através da filha – essa, sim, adepta ao veganismo. “Ela me apresentou e eu adorei. Realmente, é saboroso. Claro que é diferente, porque vamos combinar que o camarão é um bichinho saboroso, mas elas capricham nos temperos. Me tornei freguesa”, conta.
Uso do dendê valoriza cultura e reduz custos, diz coordenadora do Sebrae
Embora não existam dados específicos sobre empreendedores que trabalham com dendê, a coordenadora de turismo e economia criativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-BA), Ana Paula Almeida, defende que esses empresários devem mesmo buscar formas inovadoras para conquistar os clientes.
Segundo ela, o aspecto cultural deve ser um aliado “O que a pessoa está buscando na sua hora de lazer hoje? Uma experiência, a transformação do seu empreendimento num ambiente que gere experiência para a pessoa que está lá”, diz.
A valorização do dendê, assim, se torna o próprio posicionamento do negócio. “Você fala de dendê e fala de Bahia. Você quer ter um restaurante que qualquer pessoa encontra em qualquer lugar do mundo ou aquilo que representa o melhor de nossa terra?”.
Além disso, o uso de ingredientes naturais da própria região – como o caso do dendê – facilitam a vida dos empreendedores, uma vez que pode baratear os custos de produção. “Além da valorização da cultura e da experiência, a utilização do dendê e de qualquer outro material da região baixa os custos”.
Especialistas questionam delivery: ‘não é o verdadeiro acarajé’
Para o antropólogo e curador do Museu da Gastronomia Baiana, Raul Lody, o acarajé e o abará que são vendidos por delivery não são ‘os verdadeiros’ acarajé e abará. Lody, que é autor do livro Tem Dendê Tem Axé, defende que o hábito de comer acarajé é formado por características próprias.
“Uma coisa é você ir no tabuleiro, ver a fritura, sentir o cheiro do dendê, o acarajé quentinho, o molho de pimenta, o vatapá por cima e comer naquele contexto da baiana de turbante, de saia, de bata e todo um contexto estético. Pelo delivery, você recebe um bolinho de feijão frito no dendê. É outra coisa, porque a gente não come só os ingredientes. A gente come símbolos”.
De acordo com ele, as comidas de rua são comuns em todas as culturas e momentos sociais. Há desde mercados a feiras. O acarajé é uma dessas comidas – e é assim desde seu antecessor: o acará, tradicional do Benin e da Nigéria. “É a mesma coisa. A pessoa está lá fritando, só que não tem recheio, não tem nada. É só um bolo de feijão frito”.
Diante do acará, o acarajé aumentou de tamanho e virou uma espécie de sanduíche – com muito recheio. “São milhares de pessoas que vivem vendendo acarajé na rua. Gera uma grana considerável e uma cadeia produtiva do feijão, do camarão, do dendê, das pimentas… É uma cadeia econômica importante e que é preservada na manutenção da maneira tradicional de se comer acarajé. Se não tiver nesse contexto, não é acarajé para mim. É bolinho de feijão”.
A visão do antropólogo é a mesma da presidente da Associação das Baianas de Acarajé (Abam), Rita Santos. Para ela, o delivery ‘não tem nada a ver com acarajé’ e é o reflexo da ação de empresários. Na quinta-feira (15), o 5º Encontro Nacional de Baianas de Acarajé, realizado no campus da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), teve como tema justamente ‘Empresários versus Baianas de Acarajé e Seus Tabuleiros’.
“Isso está tirando os empregos das baianas. Acarajé é vendido no tabuleiro. Tem um empresário que botou mais de 600 pessoas vendendo acarajé na rua, mas não são baianas. São vendedores de acarajé. Isso é comércio. Em Salvador, já tivemos entre três e quatro mil baianas, mas hoje devemos ter metade. São muito poucas hoje”.