segunda-feira, 9 dezembro, 2024

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Dirigente sindical é investigado por assédio sexual

O Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA) abriu inquérito civil para investigar denúncias de assédio sexual sofrido por funcionárias do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada e Montagem Industrial do Estado (Sintepav), com sede no bairro de Nazaré, em Salvador. Entre as vítimas, que até agora somam oito, também estão mulheres sindicalizadas à entidade, que teriam sido assediadas em canteiros de obras.

O processo que apura as acusações, recebidas anonimamente pelo MPT-BA em 16 de dezembro, tramita no regime de segredo de justiça. Entretanto, o presidente em exercício do Sintepav, Irailson Warneaux de Oliveira Gazo, informou que as acusações pesam contra o secretário-geral da entidade de classe, Paulo Roberto da Silva.

Conforme Gazo, um inquérito administrativo será aberto, a fim de afastar o dirigente. Antes, porém, as vítimas estão sendo ouvidas, contou ele. A oitiva das mulheres também acontecerá na sede do MPT-BA, no Corredor da Vitória, nas próximas semanas, em data e horário sigilosos.

“Já há informações que foram fornecidas ao advogado do Sintepav, que vai defender essas mulheres. Estamos ouvindo e preparando o inquérito administrativo. Estamos seguindo a questão estatutária para chegar até a destituição”, afirmou o presidente em exercício do sindicato. Ele contou que, nesta quinta, 8, a investigação foi informada pelos advogados da entidade para Paulo Roberto da Silva.

Modus operandi 

Contatado pela reportagem de A TARDE na terça-feira, 6, e na quarta, 7, via telefone, Silva afirmou que não tinha sido notificado da denúncia recebida pelo MPT-BA. Questionado se as acusações de assédio sexual relatadas eram verdadeiras, preferiu não se estender.

“Desconheço o processo e o fato. Não tenho nada a declarar”, evadiu-se, interrompendo a ligação. Em uma outra tentativa, após atender o repórter e ser perguntado sobre o assunto, Paulo Roberto da Silva calou-se.

Sorteada eletronicamente para atuar no caso, a procuradora do trabalho Rosângela Lacerda evitou entrar em detalhes sobre a denúncia e o modo de agir do denunciado, mas classificou como “graves” os fatos descritos. “São graves e apontam atos libidinosos, de cunho sexual”, confirmou.

Relatos ouvidos por A TARDE, em condição de anonimato, dão conta de que o dirigente abordaria as mulheres dentro da própria sede do Sintepav. Em um dos casos, ele teria pedido à vítima que desfilasse pela sala fechada, “para ver se o corpo era bom mesmo”. Nenhuma mulher quis dar entrevista.

O presidente em exercício da entidade, Irailson de Oliveira Gazo, explicou que, até agora, não foram identificados casos de abuso sexual, mas, sim, de assédio sexual. “Elas não chegaram a ser abusadas, mas pode ser que, até terminar o processo, a gente encontre mulheres que tenham sido abusadas”, considerou ele, afirmando que “é uma prática repudiada pela direção do Sintepav”, e “não ficará impune”.

Trâmites

De acordo com a procuradora Rosângela Lacerda, o Sintepav já foi notificado da abertura do inquérito civil pelo MPT-BA. O processo, que tem prazo inicial de 90 dias para ser finalizado, pode ser prorrogado por igual período. É a instituição sindical, explicou ela, a acusada neste caso, já que o MPT trata exclusivamente de questões trabalhistas.

Logo após os depoimentos, frisou a procuradora, a transcrição deles é encaminhada ao Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), órgão responsável por oferecer denúncia contra o acusado pelo crime de assédio sexual. Nessa instância, o promotor responsável pode oferecer denúncia logo ou abrir outro inquérito para que a Polícia Civil investigue criminalmente o caso.

“O que a gente faz aqui é uma investigação sobre as consequências trabalhistas do que ele  fez, mas existem também as consequências penais. As questão trabalhistas são respondidas pelo sindicato, porque o empregador tem por obrigação fazer com que o ambiente do trabalho seja seguro”, afirma Rosângela.

A procuradora explica que, caso os fatos sejam comprovados, um termo de ajustamento de conduta (TAC) será proposto ao Sintepav. No documento, a entidade assume a obrigação de coibir outros casos de assédio no ambiente de trabalho. Também pode ser aplicada uma sanção financeira por dano moral coletivo.

Procurada para comentar o caso, a promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem), Lívia Sant’Ana Vaz, afirmou que “não houve qualquer formalização [do caso] no MP” e, por isso, não iria se pronunciar “para não constranger nem expor das mulheres precipitadamente”.

Subnotificação

Entre 2005 e 2018, 71 inquéritos civis por assédio sexual foram abertos pelo Ministério Público do Trabalho na Bahia, de acordo com dados do órgão. Desses, 14 estão em andamento e 28 foram arquivados. Em 11 deles, a instituição assinou TACs com os responsáveis pelas irregularidades. Já outros 10 casos resultaram em ações judiciais – duas delas ainda em curso. Nos outros oito, houve condenações parciais ou totais.

No mesmo período, foram abertos 728 inquéritos por acidentes de trabalho, 1.321 por assédio moral e 1.490 por trabalho infantil. Já fraudes trabalhistas resultaram em 2.457 processos de investigação pelo órgão.

Para Rosângela, “há uma subnotificação” dos casos de assédio sexual “por vários motivos”. Entre eles, lista ela, estão o desconhecimento da atuação do órgão trabalhista nesses casos e a “coação” a que as vítimas são submetidas.

“Há, também, o elemento cultural, como a permissividade. Algo que em outras cidades ou países seria considerado absurdo, aqui é camaradagem”, afirma a procuradora. “As pessoas não querem falar sobre coisas como hora extra, então imagine falar sobre assédio sexual”, pondera.

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