sexta-feira, 22 novembro, 2024

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Esporte Clube Bahia, o clube do povo, da inclusão e da liberdade

Nestor Mendes Jr.*

O Esporte Clube Bahia, primeiro campeão de futebol do Brasil (1959) e fundado em 1931, tem se destacado também por suas ações afirmativas fora das quatro linhas, contra o racismo, a intolerância religiosa, o massacre dos índios, o machismo, a homofobia e a paternidade irresponsável. No momento em que a Floresta Amazônica arde em chamas pela ação das queimadas – e o mundo trava uma batalha contra o governo inconsequente e irresponsável de Jair Bolsonaro – o clube postou em suas redes sociais metade de um campo de futebol destruído pelo fogo, com o seguinte texto: “Sem o verde, não haverá azul, vermelho e branco”.

Um dos clubes mais populares do Brasil, com uma massa de torcedores constituída, em grande parte, pelas classes mais pobres da população da Bahia – estado brasileiro que lhe empresta o nome e onde o Brasil nasceu como nação – o Esporte Clube Bahia se mantém como um ativista político e social, utilizando o futebol como meio de transformação de uma sociedade ainda arraigada nos tempos da “Casa Grande & Senzala” – utilizando aqui o título da obra do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, de 1933, exatamente dois anos após o Bahia ter sido fundado.

Especialmente na Bahia, ainda coabita a casa grande, ocupada por uma elite quase feudal, e a senzala – hoje, trocada pela favela – de grande parte da população marginalizada. O treinador atual do Esporte Clube Bahia, Roger Machado, diz que ainda resiste uma “escravidão periférica” no Brasil. Os números são irrefutáveis: pesquisa realizada pela Fundação Abrinq mostrou que, em 20 anos, entre 1997 e 2017, o número de jovens negros assassinados no Brasil aumentou 429%, ante 102% de jovens brancos.

Essa guinada democrática, inclusiva e libertária do clube conhecido como Esquadrão de Aço pelos seus adeptos, é recente. Até 17 de agosto de 2013, quando realizou uma Assembleia Geral de Sócios e mudou o seu estatuto, permitindo a eleição direta de seu Presidente, o Bahia vivia sob tenebroso regime ditatorial, em grave crise financeira e em crescente declínio esportivo. Não fosse a sua grande massa de torcedores, o bi-campeão brasileiro de 1988 teria sucumbido.

Para se ter uma ideia da tirania que regia os destinos do clube – que, segundo pesquisa Ibope Repucom, de 2017, possui cerca de 3,2 milhões de torcedores – o Conselho Deliberativo congregava 300 conselheiros, mas apenas cerca de 150 sócios estavam em dia com as obrigações. Hoje, passados seis anos da mudança, o Bahia possui 40 mil torcedores em sua carteira de associados, com um índice de inadimplência inferior a 5%.

Desde então, quando voltou a ser livre e democrático, o Esporte Clube Bahia também retomou a sua sanha de ser grande, respeitado e campeão. Três presidentes já passaram pelo comando da agremiação: o advogado e ex-vereador Fernando Schmidt; o jornalista Marcelo Santana; e, agora, cumprindo o seu mandato, o empresário Guilherme Bellintani. Todos contribuindo para que o Bahia seja forte nas quatro linhas, mas também não seja omisso fora delas.

As ações afirmativas do Esporte Clube Bahia, portanto, se coadunam com a sua nova postura de usar o futebol para transformar e para educar, pela inclusão e contra a intolerância, seja ela de que natureza for.  As inovações do Núcleo de Ações Afirmativas do Esporte Clube Bahia não são unanimidades nem mesmo entre os torcedores. Alguns dizem que é “partidarismo”; outros, que é “influência do PT”. Alguns de perfil mais direitista dizem que é “coisa de comunista”.

A oposição, no entanto, é minoritária, porque as campanhas afirmativas do Esquadrão de Aço tocam justamente nos anseios e querências da população mais pobre da Bahia, ainda segregada, discriminada e insultada, principalmente nos guetos de Salvador, a capital do estado, fundada em 1549. Ao mesmo tempo em que cresce o seu conceito de clube libertário e profundamente antenado nas justas causas sociais, esportivamente o clube evolui a olhos vistos.

O que a voz dos poucos opositores chama de “comunismo” – como se não tivessem saído ainda dos tempos da “Guerra Fria” – o Bahia responde com gols e com o humanismo, com os princípios de 230 anos atrás da Revolução Francesa: “igualdade, liberdade, fraternidade”. Coincidentemente a bandeira do Esporte Clube Bahia tem as mesmas cores da bandeira tricolor da Revolução Francesa, simbolizada em Marianne, na famosa tela de Delacroix.

Em entrevista ao jornal espanhol El País, em novembro do ano passado, o presidente do clube, Guilherme Bellintani, disse que “nossa torcida tem entendido a mensagem de tolerância e respeito às diferenças. O Bahia representa muito da identidade cultural e social do nosso Estado. Por isso, temos obrigação de nos posicionar, frear extremismos e apoiar causas que vão além do campo de jogo”.


– Guilherme Bellintani – Presidente do Esporte Clube Bahia

Com peças publicitárias originais e de altíssima eficácia como instrumentos de comunicação, o Núcleo de Ações Afirmativas do Esporte Clube Bahia já tratou de temas como o Combate à Intolerância Religiosa. Somente em 1946 foi decretada, no Brasil, a liberdade de culto religioso. Mesmo assim, na Bahia, terra-mãe das religiões de matriz africana, os praticantes do Candomblé tinham que obter autorização da polícia e pagar uma taxa pública para realizarem o culto.

Para combater a homofobia, o Bahia lançou a campanha “Não há Impedimento”, sendo elogiado e reconhecido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Com isso, o clube estabeleceu uma grande empatia com o público LGBT, atraindo para o estádio onde manda os seus jogos – a Arena Fonte Nova – um público até então sempre desrespeitado e discriminado no meio futebolístico

Outro tema que serviu para mais uma campanha de Ações Afirmativas foi a defesa das mulheres contra o machismo tóxico. O clube fez uma pesquisa com 1200 torcedoras – a maioria negra – que revelou que 43% delas nunca foram sozinhas ao estádio e 38% têm medo de assédio ou de agressão. Em parceria com a Polícia Militar, está sendo dada uma atenção especial à segurança da mulher na Fonte Nova, através do grupamento Ronda Maria da Penha, composta por militares do sexo feminino.

No Brasil, o mês de Novembro é marcado pela celebração da Consciência Negra. Em jogos realizados no período, o Esporte Clube Bahia foi a campo com uniformes que exaltavam nomes de heróis, jogadores e de personalidades negras. Jogadores estamparam em suas camisas nomes históricos como Dandara, Mãe Menininha do Gantois, Zumbi dos Palmares, Gilberto Gil, Bule-Bule, Kabengele Munanga, Cláudio Adão, Dadá Maravilha, William Andem, entre outros.

 Esporte Clube Bahia, o clube do povo, da inclusão e da liberdade.

“Todas as cores 01 e 02”

Em 31 de Março, ocasião em que o governo de Jair Bolsonaro resolveu “comemorar” o Golpe Militar de 1964, que mergulhou o país 21 anos em uma desastrosa ditadura, o Esporte Clube Bahia foi um dos poucos clubes brasileiros a ter a coragem de defender a bandeira da liberdade e da democracia. O Esquadrão, que viveu a sua infeliz “Era das Trevas”, se manifestou com um vídeo, usando a hashtag dos clubes argentinos, a #NuncaMas – traduzida para o português #NuncaMais.

No último mês de Abril, o Bahia voltou a homenagear outro grupo étnico da população: os povos indígenas, defendendo a demarcação das terras, contra a concentração fundiária e a violência no campo. Em campo, os jogadores do Tricolor usaram uniformes – contra Londrina, pela Copa do Brasil; e contra o Bahia de Feira, na final do Campeonato Baiano – com os nomes de lideranças silvícolas e de jogadores com origens indígenas, casos de Crispim de Leão, Galdino Pataxó, Sônia Guajajara e Mané Garrincha.

O Bahia também resgatou outro momento sombrio da Ditadura Militar no Brasil ao resgatar, em vídeo dirigido por Ceci Alves, cinquenta anos depois, a história do show “Barra 69”, realizado no teatro castro Alves, em Salvador, e que marca a despedida para o exílio, na Grã Bretanha, de dois grandes ícones da música brasileira, os músicos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil – ambos torcedores do Esporte Clube Bahia. Nessa histórica apresentação, eles entoam o Hino do Esporte Clube Bahia como uma canção de liberdade, de autoria do escritor Adroaldo Ribeiro Costa.

No mês de Agosto, por ocasião da celebração do Dia dos Pais, o Esporte Clube Bahia atacou o problema da paternidade irresponsável. Segundo dados oficiais, 5 milhões de crianças brasileiras possuem certidões de nascimento em que não constam o nome do pai. Em parceria com a Defensoria Pública do Estado, o clube postou nas suas redes sociais um vídeo primoroso e pungente intitulado, “Em nome do pai”, que sustentou uma campanha de exames de DNA gratuito e registro de paternidade na loja do Esquadrão, na Arena Fonte Nova.

Além de seu hino oficial – muito popular – o Esporte Clube Bahia já foi cantado por outros músicos. Um dessas músicas mais famosas é “Campeão dos Campeões”, de Zé Pretinho, Raquel e B.Silva, e popularizada pelos Novos Baianos, no disco “Praga de Baiano”, de 1977. Um dos versos da canção diz: “O Bahia é o clube do povo, domingo estarei aqui de novo”.  Assim, as ações afirmativas em defesa da liberdade, da tolerância e da inclusão vieram pra ficar. Em breve, o Esporte Clube Bahia, o clube do povo, estará aqui, de novo, pela igualdade, pela liberdade, pela fraternidade.

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*Nestor Mendes Jr. é jornalista, autor dos livros “Bahia Esporte Clube da Felicidade – 70 Anos de Glórias” e “Nunca Mais – 25 anos de Luta pela Pela Liberdade no Esporte Clube Bahia”.

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