sexta-feira, 10 outubro, 2025

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Governo alerta para riscos da ‘pejotização’ de trabalhadores e enfraquecimento da proteção social

Em audiência pública realizada nesta segunda-feira (6), no Supremo Tribunal Federal (STF), o Governo do Brasil alertou para os impactos da ‘pejotização’ sobre o pacto do trabalho digno e a seguridade social, pilares previstos na Constituição de 1988. O debate reuniu os ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Luiz Marinho (Trabalho e Emprego).

Messias comparou o fenômeno à “cupinização” dos direitos trabalhistas, afirmando que ele “corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social”. Segundo ele, o país deve buscar um modelo que “respeite a liberdade econômica, mas que também preserve o trabalho digno, a proteção previdenciária e a solidariedade entre as gerações”.

O advogado-geral da União criticou a falsa liberdade que a pejotização impõe. “Não há liberdade real quando a única alternativa é abrir um CNPJ para manter o sustento da família. Não há autonomia quando o mercado impõe a ‘pejotização’ como condição para o emprego”, destacou.

Justiça do Trabalho e vínculos reais

Messias defendeu que a competência para julgar casos de pejotização deve continuar com a Justiça do Trabalho, conforme determina a Constituição. “É nela que se revela, sob o manto das aparências contratuais, a verdade material das relações laborais”, afirmou. Para ele, negar essa competência “enfraquece o sistema de proteção social e a essência do Estado democrático de Direito”.

O ministro Luiz Marinho reforçou que o regime do Microempreendedor Individual (MEI) vem sendo usado para mascarar relações de emprego típicas, com subordinação e jornada fixa. “Nossa responsabilidade é decidir se queremos avançar para a modernidade ou oficializar a fraude como normalidade”, alertou.

Expansão da pejotização

O fenômeno, antes restrito a carreiras especializadas, tem se espalhado entre os trabalhadores de menor renda. Dados da PNAD Contínua (IBGE) mostram que, entre 2022 e 2024, 56% dos trabalhadores demitidos que se “pejotizaram” ganham até R$ 2 mil e outros 37% até R$ 6 mil.

“Trata-se de categorias tradicionalmente celetistas, como garçons, vendedores, operadores de centros de distribuição e teleatendentes. Já não falamos de uma opção das elites, mas de uma imposição silenciosa sobre a base da pirâmide social”, alertou Messias.

Impactos econômicos e sociais

Entre 2022 e 2024, o governo estima que a pejotização provocou um déficit de R$ 60 bilhões na Previdência Social e perdas de R$ 24 bilhões ao FGTS. Para Marinho, liberar esse tipo de prática amplia desigualdades e ameaça conquistas históricas. “Todas as conquistas de desenvolvimento que temos até aqui estão em risco com o desmonte e enfraquecimento que ocorre caso a gente ‘libere geral’ a pejotização”, afirmou.

O ministro também destacou que a discussão sobre hipersuficiência — a suposta capacidade individual de negociação — “não se caracteriza como verdade absoluta, porque o indivíduo, por mais formado que seja, não tem a mesma força de diálogo e de negociação”.

Certeza negativa e diferenciação legítima

Jorge Messias ponderou que é preciso diferenciar a pejotização da verdadeira autonomia profissional. Ele citou situações que não configuram fraude, como franquias com autonomia real, sociedades de propósito específico (SPE), consultorias independentes e serviços B2B. “A pejotização não é empreendedorismo autêntico, nascido da autonomia e da livre iniciativa”, explicou.

O advogado-geral concluiu defendendo a valorização do trabalho como base de um desenvolvimento justo. “O Brasil precisa de um modelo que valorize o trabalho e garanta segurança jurídica — mas sob o princípio da dignidade da pessoa humana, não em uma lógica que transforme o trabalhador em prestador sem direitos e o cidadão em contribuinte de segunda linha”, resumiu.

A audiência pública foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, que discute a licitude da contratação de pessoas jurídicas e a distribuição do ônus da prova em alegações de fraude trabalhista. O julgamento, com repercussão geral, deverá definir diretrizes sobre a pejotização em todo o país.

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