segunda-feira, 9 dezembro, 2024

EXPEDIENTE | CONTATO

Jaques Wagner questiona operação e rebate acusações

Por: Levi Vasconcelos e Yuri Silva

Exatamente duas semanas após a Polícia Federal fazer uma operação de busca e apreensão em endereços ligados ao ex-governador da Bahia e ex-ministro da Casa Civil, Jaques Wagner (PT), o político, atualmente à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), falou com exclusivamente para A TARDE. Seguindo a linha de desqualificar a operação e a delegada Luciana Matutino, o cacique do PT baiano, investigado por suposto superfaturamento no contrato da Arena Fonte Nova, disse ter sido pressionado várias vezes pela Odebrecht durante seu governo, porque “não topou entrar no esquema”. Segundo o ex-governador, que negou ter recebido R$ 82 milhões de propina, até a eleição da Fieb, que tinha na disputa o executivo e delator Cláudio Melo Filho, foi motivo para divergência entre ele e o grupo empresarial. “Eu ouvi isso várias vezes deles ‘aqui é difícil ajudar porque o senhor não ajuda’. E o corrupto sou eu?”, questiona o petista nesta entrevista.

A que o senhor atribui esses equívocos que o senhor aponta?

Eu não quero ficar adjetivando. Eu prefiro desmontar argumento por argumento.

Há chance disso ter saído do Planalto?

Não necessariamente do Planalto, mas pode ter saído, como diz [o jornalista] Reinaldo Azevedo, do Partido da Polícia. De pessoas que criminalizaram a política e [acham que] todo político tem que ser carimbado, particularmente do PT. É por isso que eu não quero ficar [falando disso], senão fico atrás dessa cortina “eles estão me atacando porque sou do PT” e eles vão dizer que não. A motivação, por exemplo, é estranha. Nesse mesmo processo, quem faz a primeira investigação não é essa senhora, é um outro delegado e um outro perito. O delegado, está escrito nos autos, diz que não há crime federal a ser investigado. E, quanto ao tal parecer dos quatro professores da Ufba, os peritos desmontam e dizem “não cabe a nós que somos peritos auditar esses contratos, cabe ao TCE fazer a auditoria desse contrato ou ao TCU”. O TCU não entrou porque não tinha verba federal, mas ele foi, a pedido do presidente Lula, acompanhando o processo. A gente sabia que poderia dar pano pra manga. Muita gente não queria a Copa, dizia que era melhor fazer o hospital. Era a coisa ideológica. Por isso que eu não quero entrar no ideológico de dizer “ela é de direita e quer atacar alguém de esquerda”. Isso para mim é insuficiente. Eu quero desmontar objetivamente. Por exemplo, um dos pontos que acho mais gritantes é o absurdo dos R$ 200 milhões. Não há obra no mundo que possa ter superfaturamento de 200 [milhões de reais] em 600 milhões. Até porque o aditivo que teve foi o Caderno da Fifa. A cadeira [do estádio] era normal, eles quiseram retrátil, que é mais cara. Depois, queriam a sucção do gramado e não apenas drenagem. Aí não é uma decisão minha. Eles mandaram fazer e a gente teve que cumprir o Caderno da Fifa, algo da ordem de 80 e poucos, 90 milhões. O aditivo que eles queriam e eu não topei pagar foi o aditivo de aceleração [de entrega da obra]. E nem isso essa senhora [a delegada] entendeu. Eu disse “eu não posso pagar aditivo se a obra foi entregue na data prevista”. Daqui posso garantir que não teve superfaturamento de nada. O Pedro Lino [conselheiro do TCE que fez relatório sobre a Fonte Nova] está discutindo se o contrato pode ser mais apertado ou menos apertado, o que é um ponto de vista dele. Mas, quando o BNDES diminuiu o juros do dinheiro que emprestou para a gente, nós reduzimos a contraprestação, porque ia emprestar um dinheiro mais barato.

O que o senhor acha, nessa circunstância, sobre a delegada ter pedido sua prisão?

Aí é o Partido da Mídia. Não só pedido como mandado, ela ou alguém dela, a televisão e uma única televisão chegar antes da hora no lugar onde ia ter a operação. Isso a gente está cansado de saber. Por isso que eu uso frases da presidente Dilma [Rousseff], que diz que a gente tem um Partido da Mídia, que julga e condena sem provas, e depois a Justiça que resolva. Para mim é isso. Nesse caso foi tão gritante que Reinaldo Azevedo disse que era absurdo. Então ela misturou tudo, pegou tudo que era delação e embolou. Eu lembro quando fui falar com ela. Eu disse “minha senhora, não tem nenhum delator. A senhora leu todas as delações? Não tem”. Até porque, vou insistir, Fonte Nova não foi tema. O ministro [Edson] Fachin, quando mandou para o TJ e para o TRE, mandou para investigar duas coisas: Cerb e redução de ICMS. Por que o ministro Fachin, que recebeu tudo do MPF, da Força Tarefa da Lava Jato, não incluíram isso aqui [sobre Fonte Nova]? Porque nenhum [delator] falou nunca que esse contrato foi um contrato com superfaturamento ou sobre preço. Não tem ninguém que ache sustentável o que ela falou. É totalmente fora da realidade. Só um louco – não estou dizendo que ela é – para achar que numa obra de R$ 200 milhões houve sobre preço de R$ 200 milhões, de 33%. É por isso que ficou parecendo ridículo.

E por que a Polícia Federal entrou nisso?

Só perguntando a ela. Aí é outro questionamento. Como eu lhe disse, o primeiro delegado disse que não tem porque a PF estar nisso, porque, se crime houver, não é crime de âmbito federal. O que, aliás, coincide com a decisão do ministro Fachin, que mandou [a delação] para a Justiça Eleitoral, para saber se há crime eleitoral, e para o TJ, para saber se há crime de corrupção. Em nenhum momento [o processo] cita a Fonte Nova. Eu quero insistir nessa tese, porque isso aqui é uma invenção. Isso aqui é uma invenção. E pergunta-se à doutora: por que o ministro Fachin nunca mandou para a senhora investigar a Fonte Nova? Será que ele não enxergou? O MPF não enxergou isso? Ela pega a delação e toma como verdade. Mas nem o cara da delação diz.

O senhor tem cobrado sucessivamente para ela explicar onde você botou R$ 82 milhões.

Claro, porque não existe, ela [a delegada] fez um corta e cola. Se você pegar a peça, que eu não posso pegar, porque está em segredo de justiça, a única coisa que ela investigou foi o tal laudo pericial que diz que dá R$ 200 milhões de sobrepreço. Isso aqui é um absurdo total. Aí ela pede a minha prisão, porque queria o espetáculo. O que ela foi buscar de verdade na minha casa?

Seus relógios.

Ela vai mandar auditar, que vai ter uns dois ou três [relógios] de valor, porque os outros são réplicas que compro quando vou na China ou peço para comprar. Levaram uns computadores, uns celulares… Não quero nem criticar, porque eles foram educados. Mas nem está previsto isso na busca e apreensão. Ela manda pegar mídias, telefones que possam confirmar a suspeita… Nunca diz para levar patrimônio nem coisas da minha esposa.

O senhor disse após a operação, eu li em algum lugar, que, no modelo de PPP, não tem como existir a figura do superfaturamento. O senhor pode explicar?

Não existe, porque você não contrata uma obra. É diferente. Todo mundo diz que o Estado é mau gestor. Então todo mundo adora quando tira da mão do Estado. O que eu fiz, apesar de minha origem ser de esquerda, foi tirar da mão do Estado a gestão do estádio da Fonte Nova, porque a gestão do Estado levou o estádio da Fonte Nova àquilo que a gente viu, àquela queda. É como no metrô. Não fui eu que contratei nenhuma empreiteira para fazer nem a Estação de Pituaçu nem os trilhos. Eu contratei o funcionamento de um metrô. Eu sei que o metrô é mais simples, porque é mais palpável. Mas eu contratei a administração de um estádio com 53 mil assentos. Ela [a delegada] fala que eu contratei uma empresa nova, que não tinha como dar garantia. Ela não tem o menor conhecimento do que significa uma SPE [Sociedade de Propósito Específico]. [Numa licitação], a empresa, seja qual for ela, cria uma SPE para ser responsável por aquilo. Quem dá garantia de uma SPE são as empresas mães que fundam a SPE. Sabe qual o problema? O Brasil tem pouca vivência em PPP. Não consegue entender o que é PPP, que é, na minha opinião, uma das grandes ferramentas de gestão moderna. Ela diz que teve superfaturamento. Pergunte a ela se eu mudei a contraprestação de serviço. Se eu não mudei, onde é que está o superfaturamento? É maluquice! É isso que eu te falei. Estamos vivendo a espetacularização do MPF e de alguns segmentos do judiciário, então todo mundo quer seu minuto de fama. Não posso achar que é outra coisa. Ela não participou de nenhuma operação. Ela ficou sentada lá onde ela deu a coletiva. O que ela falou na coletiva, ela falou tirado do que? Ela pegou algum e-mail que eu tenha mandado pedindo dinheiro? Fizeram uma operação às 6h, que terminou às 9h, e às 10h ela deu uma coletiva do que já estava preconcebido na cabeça dela. É um besteirol o valor de 82 milhões.

O senhor tem alguma pretensão de colocar o Estado na Justiça por danos morais?

Ainda é cedo. Primeiro tenho que me defender, e depois ver com meus advogados o que fazer. A Polícia Federal não é polícia ostensiva, como a PM. Ela é polícia judiciária, como nossa Polícia Civil, existe para investigar. Você já viu alguém investigar algo com espalhafato? Eu quero saber o que ela investigou efetivamente. É um negócio sem pé nem cabeça. Ela não entende nada disso.

O senhor acha que isso lhe causou prejuízo político?

Pessoal seguramente causou. Eu acho que é uma violência ficar falando as impropriedades e imprecisões que ela falou. Depois para você desfazer o que foi dito… Hoje eu estava com o [ex-deputado federal Domingos] Leonelli e ele falou uma coisa certa. Nivelar por baixo, dizendo que todo mundo é ladrão, compromete quem faz política dentro de um padrão e inocenta quem é ladrão. Porque, se todo mundo é ladrão, o cara pensa “eu estou no todo mundo”. Então eu acho uma afronta, mais do que a busca e apreensão. A busca, na verdade, foi o espetáculo. Como é que alguém dá uma entrevista sem nem ver o que foi apreendido? É por isso que os ministros [Dias] Toffoli e Gilmar [Mendes, do STF] disseram que tem que sair uma norma para [prepostos da PF e do MPF] não darem [entrevista]. Um ministro do STJ, que não vou falar o nome, já me disse ‘quando eu estou no comando da operação, não tem isso’.

O senhor critica a PF, mas há ações muito parecidas, com o mesmo modus operandi, contra adversários políticos do senhor, como o ex-ministro Geddel e o próprio presidente Michel Temer. Nesses casos, as críticas à PF também valem ou só no seu?

Claro. O caso de Geddel eu quero separar, porque eles encontraram alguma coisa concreta. Eu quero saber uma coisa: para que um juiz precisa, quando estiver interrogando, de televisionamento? Ele podia pedir taquigrafia e gravação, como você está gravando aqui. Se o cara quer gravar, para ter um elemento de prova… Mas para que achincalhar? Eu sempre fui contra aqueles programas que quando torce sai sangue, porque o cara entra numa delegacia, viola o direito do cara que está lá, e sai filmando. Isso vale para todo mundo, não é para mim. Serve o que à Justiça isso? Tudo do [juiz Sérgio] Moro é filmado. Para que? Não tem o menor sentido. Agora eu acho que, politicamente, é cedo para avaliar, e eu também não quero parecer arrogante, mas na Bahia tudo se sabe. Eu tenho oito anos de governo, eu tenho relação com inúmeros empresários e prestadores de serviço do governo, e estou absolutamente à vontade, porque esse negócio não cola. Eu quero saber quem foi o empresário que chegou aqui e disse “para receber meu dinheiro e fazer minha obra foi pedido tal coisa”. Isso é conhecido do meu estilo. Eu não sou melhor do que ninguém, mas eu sempre disse “amigo, eu não sou seu despachante”. O testemunho mais eloquente disso é o porquê de a mesma dobradinha Odebrecht/OAS terem declinado de entrar na licitação do metrô. Se, em tese, pelo que disse essa senhora, eu era do sistema, por que eles não entraram? Na Via Expressa também.

Sobre a Via Expressa, o senhor falou e foi publicado pela Folha de S. Paulo que alguém do governo negociou uma propina e o senhor, informado pelo Cláudio Melo Filho sobre o assunto, barrou a negociação.

Não foi alguém do governo. É que eu não quero chutar cachorro morto.

Mas o que eu quero perguntar é: o senhor e o Cláudio Melo eram tão próximos assim a ponto de ele contar que alguém estava negociando propina?

Não, ele não veio falar, ele veio pedir a obra.

Veio pedir nesses termos?

Aí eu não quero entrar, porque não quero chutar cachorro morto. Eu já estou com um negócio desse no Ministério Público Estadual, eu vou responder lá. Na verdade, é o seguinte: é melhor perguntar a ele “por que vocês não entraram na Via Expressa? Por que o preço não era o que vocês queriam?”. Por que a OAS entrou na Via Expressa? Porque, durante o tempo todo de Antônio Carlos [Magalhães], sempre ficou fora daqui e tinha interesse em entrar. Como ficou sabendo que a obra não estava carimbada… Vamos ser francos, para não ser ingênuo. Toda grande licitação quem se acerta não são os políticos, quem se acerta são as empresas. Elas é que se acertam. Pode perguntar a qualquer consultoria internacional. Foi obra grande, eles tentam fazer o cartel deles. Essa que é a verdade. Aqui foi quebrado porque a gente não topou entrar no esquema. Por que a OAS e a Odebrecht não quiseram entrar no metrô? Por que eu mandei consertar o preço que estava fixado para o Emissário Submarino da Boca do Rio? Eu não sou melhor que ninguém, mas tenho outro padrão de comportamento. Todos esses itens aí, estão cheio de empresários que eu chamo como testemunha. No caso do ICMS, no caso da Fonte Nova… Um engenheiro chefe da obra pela OAS colocou na internet que “essa senhora não sabe o que está falando”. Mas hoje, infelizmente, o povo quer o espetáculo. E isso vem atrapalhando muito o Brasil. Não dá para ficar pendurando os outros no poste, porque ninguém vai saber, depois, a quantas andas a investigação. Ela [a delegada] mente. Pelo menos fala impropriedades. Ela diz que foi a Ufba [que fez um parecer], mas foram quatro professores privadamente que foram contratados para fazer o parecer. A Ufba nunca falou isso.

O senhor se sentiu invadido com a exposição da operação?

Não. Não tenho nada a reparar. O constrangimento existe, mas sempre foram super… Foram cumprir a missão deles.

E eleitoralmente, o senhor acha que isso lhe atinge?

Para quem quer criticar, vira um prato. Para quem gosta e é torcedor, não muda nada. Mas não acho que isso vai, daqui até outubro, pesar.

Sobre os relógios de luxo, que foi algo que chamou a atenção das pessoas, o senhor já admitiu que recebeu de presente um relógio do Cláudio Melo. Não é uma relação pelo menos inadequada de um governador com um executivo de empreiteira?

Pode ser, apesar de que, no caso do governo do estado da Bahia, não existe [proibição]. No caso do governo federal, tem uma limitação. Mas eu concordo que não se deve ter esse tipo de relação. Hoje cada um não quer dar nem uma agenda de presente. Só acho que a gente tem que investigar a relação causa-efeito. Eu acho que o agente público deve ter um limite. Mas há que se estabelecer a relação. Esse presente foi elemento para uma contrapartida? Eu creio que, nos oito anos do meu governo, deve ter sido o mais baixo faturamento da Odebrecht na Bahia. Eles, na verdade, não faturaram praticamente nada. Entraram na Fonte Nova e ponto. O emissário estava licitado antes de mim, a Via Expressa eles não entraram, o metrô eles não entraram… Qual foi a grande obra que eles ganharam aqui? Estou falando no caso da Odebrecht. A OAS ganhou a Via Expressa.

Teve uma época que andaram de cara feia para o senhor …

Muito. Sempre. Na delação, o Cláudio Melo diz que Marcelo, que era o executivo número um, fala “se não resolver minhas coisas na Bahia, não vou dar nada [para campanha]”. Então, quem é o corrupto? Eu? Se o cara está ameaçando… Eu ouvi isso várias vezes deles. “Aqui é difícil ajudar porque o senhor não ajuda”. Cláudio Melo era o vice na eleição da Fieb. E eles acusam o governo de tê-los derrotado. Então, que relação promíscua é essa que eu tenho?

 

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