A Justiça Federal na Paraíba condenou um locutor e comentarista por racismo religioso, previsto no artigo 20, §2º, da Lei nº 7.716/1989, após denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF).
O caso envolve comentários feitos em 2021 em programa de televisão, que associaram a religião do candomblé à prática de “magia” durante a cobertura da prisão de um homem suspeito de homicídio.
Durante a transmissão, o repórter mencionou a casa do suspeito, sugerindo uma ligação entre o crime e a religião. Segundo a juíza da 16ª Vara Federal, “ao se referir ao candomblé como prática de magia, algo que conota mal espiritual, atribuiu-se pecha negativa à prática desse culto religioso, mormente quando estabeleceu elo entre um autor de um crime violento e seu credo religioso”.
A sentença evidencia o tratamento desigual entre religiões no país. Enquanto as cristãs recebem tolerância, religiões afro-brasileiras ainda enfrentam preconceito e rejeição. A magistrada destacou que seria absurdo afirmar, numa reportagem policial, que um suspeito de homicídio estivesse em uma casa de encontros de novenas ou estudos bíblicos, reforçando a falta de relevância jornalística da associação feita pelo réu.
Mesmo sem prova de que o homem fosse praticante do candomblé, os comentários reforçaram estereótipos e preconceitos. “Esse veneno, gota a gota, dissemina e reforça a subalternização, e dificulta que esse grupo seja compreendido como sujeito de iguais direitos”, registrou a juíza.
O texto judicial enfatiza que a prática do jornalismo opinativo em televisão aberta exige cuidado para não desinformar a população nem fomentar o ódio, sobretudo em temas sensíveis como religião, raça e identidade. A magistrada citou o caso de Fabiane Maria de Jesus, linchada em 2014 no Guarujá (SP) após boato associando sua atuação a “magia”, como exemplo do impacto da desinformação.
O candomblé é descrito como religião afro-brasileira estruturada, com teologia, ritos, ética e filosofia próprios. Cultos aos Orixás expressam a relação entre seres humanos, natureza e sagrado. A juíza destacou que reduzir a fé a “magia” ignora sua profundidade espiritual e transforma a tradição em caricatura pejorativa.
Historicamente, o candomblé surgiu da resistência de povos africanos escravizados e sofreu perseguição e demonização. Práticas como oferendas, cânticos e danças são expressões de fé comparáveis a orações ou velas em outras religiões. Mesmo sacrifícios simbólicos de animais representam agradecimento e equilíbrio espiritual, sem ligação com ocultismo.
O locutor foi condenado a dois anos de reclusão, com pena substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de R$ 15 mil a uma entidade social, preferencialmente ligada à promoção de religiões de matriz africana. O MPF informou que recorrerá da decisão.
