Diferentemente do que a quase totalidade da população pensa, a culpa pela má qualidade da nossa representação política não é dos eleitores. Por incrível que pareça, a maior parte do eleitorado não vota nos vereadores e deputados que saem vitoriosos. Ou seja: os eleitos são tidos como ruins, e de fato a maioria dos eleitores não votou neles, mas sim naqueles criteriosamente escolhidos pela maioria, e que foram derrotados nas urnas. A questão é que os candidatos que, juntos, totalizam mais votos, são em número muito maior do que os eleitos, e assim os chamados “votos conscientes”, dados ao candidato não em troca de dinheiro, mas pelas qualidades do bom político, acabam sendo espalhados entre muitos candidatos, fazendo com que eles sejam os menos votados de cada partido. Desta forma, os votos deles acabam sendo usados para completar os votos necessários para eleger os vereadores e deputados de sempre, ou os filhos dos de sempre. Isso não tem nada a ver com “puxador de voto” ou “efeito Tiririca”. Trata-se de uma consequência natural do sistema proporcional de eleições para as casas legislativas.
O problema não está no número de candidatos e nem na pulverização dos votos. Quantos mais candidatos houver, melhor, desde que eles não estejam na mesma chapa dos candidatos de sempre, que se reelegem com os votos dados aos novos candidatos. O grande problema é que os candidatos novos ou que nunca foram eleitos acabam ficando nas mãos de partidos controlados pelos detentores de mandato (deputados e vereadores), e que estão em busca de reeleição, quando deveriam procurar um partido que não tenha vereador no seu Município ou, nas eleições gerais, que não tenha deputado em seu Estado. É o caso da maioria dos partidos, já que no Brasil atualmente existem 33 em condição regular.
Sempre que se fala desse assunto, quando se busca apresentar uma solução para renovar a política, é usado o argumento de que é preciso conscientizar o eleitor, e fazer com que ele não venda o seu voto, e no fim das contas é para ele deixar de votar em “A” e passar a votar em “B”, ainda que não se declare que são esses candidatos ou partidos. Desejo boa sorte aos que querem mudar a cabeça do eleitor, mas a solução que apresento não exige a conscientização de nenhum cidadão. Todos podem continuar votando em quem votam, mas quem vota na direita vai eleger direitistas mais honestos, e quem vota na esquerda vai eleger esquerdistas mais honestos. É disso que precisamos.
Vejamos como a solução é óbvia e simples: se esses candidatos derrotados, cujos votos somados representam a maioria da população, recusarem-se a integrar chapa onde já estão os candidatos que tradicionalmente são eleitos, haverá uma renovação de 100% nas câmaras de vereadores, nas Assembleias Legislativas e na Câmara Federal. Isso porque muito raramente um deputado ou vereador obtém votos suficientes (quociente eleitoral) para se eleger sem a ajuda dos pequenos. Dessa maneira, sem atingir o quociente, os compradores/campeões de votos perderão a eleição, mesmo com suas dezenas de milhares de votos, enquanto que os candidatos que conquistam a confiança do eleitor pelas suas qualidades serão os vereadores e deputados que irão nos representar. Mesmo que individualmente tenham bem menos votos.
*É justo que o menos votado ganhe a eleição?
Sim. No caso de eleições para as Câmaras e Assembleias não somente é justo como é o que acontece na quase totalidade das vezes nas democracias evoluídas. Isso porque aquele que é eleito com poucos votos representa um grupo (partido, e antigamente coligação) que teve mais votos que o grupo adversário. Ora, se aquela corrente de opinião teve mais votos, é justo que tenha um número maior de candidatos eleitos, pois em tese as ideias em comum serão defendidas e implementadas, e essa é a vontade da maioria.
*Alguns exemplos da Bahia*
Em 2014 os quocientes foram 108.421 votos para estadual (somente 2 deputados dos 63 eleitos conseguiram), e 170.300 para federal (somente 1 dos 39 conseguiu). Em 2018 os quocientes foram 110.660 e 176.103 votos, e desta vez somente um estadual e dois federais conseguiram. Todos os demais devem suas eleições aos candidatos pequenos, aqueles que conquistam seus votos sem grandes estruturas, sem comprar o eleitor, com a ajuda dos amigos, e que descobrem somente depois da eleição que poderiam ter sido eleitos se estivessem em outro partido.
No final das contas, os votos conscientes estão servindo para eleger justamente aquelas pessoas que a maioria da população quer afastar da política. E de quem é a culpa disso, se não é do eleitor, já que ele não votou em quem foi eleito? A culpa é dos candidatos pequenos, que não buscam se informar e se instruir, ou cedem a pressões do tipo “se você não ficar no partido dos vereadores do prefeito, ele não vai aceitar seu apoio, você não vai ter advogado e nem carro de som”. Há vereadores que fazem birra, pois só assim sobreviverão, e o prefeito acaba levando os candidatos novos para a forca eleitoral, sem cedilha.
*O fim das coligações muda isso?*
Ao contrário do que muita gente pensa, não foi mudada a regra da eleição proporcional. Isso quer dizer que alguns candidatos menos votados continuarão sendo eleitos, enquanto candidatos com votação maior continuarão a perder as eleições. E isso é ótimo, pois sabemos como muitos dos “campeões de votos” conquistam seus eleitores.
O que mudou foi a regra da coligação, que deixa de existir. Desta forma, a ideia que está sendo apresentada aqui como solução fica mais forte. É que até a eleição passada, as pessoas que estavam em partidos onde havia somente candidatos pequenos eram obrigada$ ou convencida$ ou coagida$ a coligar nas convenções de agosto. E isso não vai ocorrer mais. Quem estiver filiado até o mês de abril irá disputar, na chapa, apenas com os demais filiados do mesmo partido, onde todos devem ter as mesmas condições. E se os candidatos pequenos, que sempre servem de escada para os grandes, perceberem que não têm chance, certamente irão se recusar a se prestar a esse papel, pois estarão conscientes da realidade. Caso eles se comportem assim, dois fenômenos “naturais” irão ocorrer: ou os partidos finalmente irão ajudar financeiramente esses candidatos (para que sejam boas escadas), ou os candidatos grandes irão doar recursos a eles, para que mantenham a candidatura. Se eles desistirem, veremos candidatos tradicionais, que eram fortes apenas no lombo dos outros, desistindo da candidatura. Afinal, eles não investem para aventurar. E isso ampliará a possibilidade de renovação das câmaras.
*O que fazer em 2020?*
No final deste texto colocarei os dados referentes a alguns municípios do Recôncavo, mas é importante compreender que tudo isso se aplica a qualquer tamanho de eleitorado, e que quem quiser formar um grupo de candidatos pequenos deve correr, pois as eleições de 2020 estão em cima. O mais difícil talvez seja convencer as pessoas sobre essa novidade. A forma mais fácil é pedir àquele amigo que sempre se recusa a se candidatar por achar que só quem compra voto é que ganha, que mostre este texto a um amigo que tenha formação jurídica ou experiência prática em eleições. Caso essa pessoa discorde, peço encarecidamente que o amigo leitor me envie os argumentos dele, para que eu possa explicar melhor ou complementar as informações.
Não tenho dúvidas de que estamos diante da possibilidade real de transformar a política brasileira e ajudar a acabar com a corrupção, levando às câmaras municipais aqueles cidadãos sérios, preparados e admirados pela população, que existem em todos municípios, mas que se decepcionaram após uma tentativa, ou não se candidatam por saberem que não conseguirão de forma honesta os votos que os vitoriosos conseguem. Tais cidadãos precisam saber como funcionam as eleições e quais são suas regras.
Elegendo vereadores melhores, reduziremos a compra de voto nas eleições para deputado. Pessoas de bem terão vergonha de se reunir para dividir 200 ou 300 mil reais entregues pelo deputado em troca de 2 ou 3 mil votos, como habitualmente acontece. Elegendo deputados melhores, podemos acabar com o centrão e com a compra de votos na Câmara. Ao mesmo tempo, vereadores honestos não apoiam prefeitos corruptos, o que vai dificultar a eleição de alguns. E as contas municipais serão analisadas com isenção, levando muitas à reprovação, colocando os desonestos nas restrições da lei da ficha limpa.
O amigo leitor já deve ter percebido que a proposta aqui apresentada só serve para quem quer mudar a política para melhor. Aqueles pré-candidatos que estão em busca de um emprego de vereador, ou que querem continuar os esquemas de sempre, certamente irão dizer que isso não funciona.
Para isso funcionar só dependemos dos cidadãos de bem, que precisam compreender que não adianta o seu voto consciente ou a tentativa de convencer o eleitor a votar diferente. O que precisamos é mostrar a realidade a quem de fato está reelegendo as raposas da política: os bons candidatos.
*Qual o melhor partido para fazer isso?
Qualquer partido que não tenha vereador no Município serve. A escolha, entre as opções, deve levar em consideração o posicionamento ideológico, a confiabilidade da direção estadual, a estrutura disponibilizada (apoio jurídico, recursos financeiros, suporte técnico etc). Isso, no entanto, não deve ocupar neste momento o tempo dos interessados. O que é urgente é a divulgação da ideia e o fortalecimento do grupo, sabendo-se que haverá críticas e resistência por parte dos atuais vereadores. No momento certo, antes de abril, haverá vários partidos interessados na possibilidade de eleger vários vereadores. Em alguns casos, a depender da quantidade de candidatos, será recomendável a filiação deles em 2 ou 3 partidos diferentes para eleger um número maior.
*Qual o primeiro passo a ser dado*
É importante compartilhar esta informação não somente com os pré-candidatos, pois muitos outros cidadãos querem ajudar na divulgação. Não deixe, também, de enviar este texto para as pessoas que você acha que tem perfil para ser um bom vereador mas nunca pensaram em se candidatar. E também para aqueles que serviram de escada nas eleições anteriores, ou pretendiam fazer esse papel pela primeira vez em 2020.
Aqueles que gostarem da ideia e a mantiverem para si, achando que será ruim a concorrência, precisam entender que uma chapa com poucos candidatos novos não alcança sequer o quociente eleitoral, e o tiro sai pela culatra. Quantos mais candidatos houver, melhor.
Há mais detalhes sobre a ideia no www.votovalido.org, e dúvidas podem ser sanadas através do whatsapp indicado a seguir.
*PALESTRA*
Neste sábado (27/07/19), às 15h, iremos apresentar uma palestra sobre este tema no Centro Social Borges, em Sapeaçu (Rua da Vitória, 438), com inscrições gratuitas. Mais informações pelo whatsapp (71) 99965-6454. Lá você poderá tirar todas as suas dúvidas, e, principalmente, duvidar e argumentar contra. E ao final você verá que isso só não dará certo se ninguém colocar em prática. A responsabilidade é de todos nós, portanto. Mesmo os que não querem se candidatar podem ajudar muito, divulgando.
*ALGUNS DADOS DE MUNICÍPIOS DO RECÔNCAVO, RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES DE 2016*1
Município | Total de votos dos vereadores eleitos2 | Quociente eleitoral3 | Eleitos que ganhariam sozinhos4 | Mínimo de votos para se eleger5 | Candidatos que obtiveram votação suficiente e não venceram6 |
Cruz das Almas | 14.490 (33,30% do eleitorado) | 2386 | 0 | 239 | 26 |
Dom Macedo Costa | 2.040 (55.67% do eleitorado) | 369 | 0 | 37 | 10 |
Conceição do almeida | 4.583 (30,31% do eleitorado) | 1.045 | 0 | 105 | 27 |
Sapeaçu | 4.501 (30,15% do eleitorado) | 1.078 | 0 | 108 | 27 |
São Miguel das Matas | 6.976 (43,94% do eleitorado) | 772 | 1 | 78 | 16 |
(Fonte: www.tse.jus.br)
*NOTAS A RESPEITO DA TABELA*
1) O objetivo desta tabela é mostrar que, mesmo apenas com os candidatos de 2016, a votação obtida poderia ter eleito uma câmara totalmente diferente, o que representaria de fato a vontade da maioria.
2) Observe que em apenas um município os vereadores somaram mais de 50% dos votos. Isso ocorreu devido ao pequeno número de candidatos inscritos, já que em municípios menores as eleições são “previsíveis”. Mesmo nesse município a ideia funcionaria 100%.
3) O quociente é obtido dividindo-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras da Câmara Municipal.
4) Em apenas um município houve um vereador que seria eleito sem a ajuda dos demais candidatos. Isso é raro, e não aconteceria se houvesse mais candidatos, com os votos sendo pulverizados. Nos municípios maiores é mais difícil isso de acontecer.
5) Essa regra não existia antes de 2016. Agora é necessário que o candidato tenha pelo menos o equivalente a 10% do quociente eleitoral. Antes dessa regra já houve vereador eleito com um voto apenas, e em 2002, por exemplo, o Deputado Federal Vanderlei de Assis de Souza foi eleito por São Paulo com 275 votos.
6) A última coluna tem um número de candidatos maior que o número de vagas na Câmara Municipal, o que mostra que mesmo que nenhum candidato novo surja é possível renovar 100% das câmaras municipais. Com a divulgação desta ideia, no entanto, certamente muitos outros candidatos aparecerão, o que tornará mais fácil a eleição dos novos vereadores.
* Waldir Santos é Advogado da União, ex-Procurador do Estado, ex-Presidente do Tribunal de Ética da OAB, e editor do www.votovalido.org.