sexta-feira, 29 março, 2024

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“A esquerda precisa de união a partir de um programa”

Deputado reafirma ser contra a concentração de renda

Único representante do Partido Socialismo e Liberdade na Assembleia Legislativa da Bahia, o deputado Hilton Coelho é taxativo: “Nossa atuação é voltada para o contramovimento da concentração de renda”. Em seu primeiro mandato, Coelho, que já foi vereador de Salvador, também defende o fim do governo Bolsonaro como esforço comum das esquerdas. “Se não terminar nas ruas, precisa ser resolvido nas urnas”. Nesta entrevista, também transmitida pela TV Alba (canal 12.2 e 16 na Net), ele ainda fala da campanha do PSOL ao Governo do Estado e garante: “O nome de Kleber Rosa é um grande orgulho pra nós”.

O PSOL lançou o professor e ativista do movimento negro Kleber Rosa como pré-candidato ao Governo do Estado, mesmo sendo um partido historicamente de esquerda, o que, em tese, colocaria a legenda ao redor da chapa governista liderada pelo PT. Por que o PSOL preferiu pré-candidatura própria na Bahia? 

A trajetória do PSOL é essa trajetória de negação, de mudança de rumos. O PT foi uma espécie de carro-chefe. O surgimento do PSOL está relacionado a um conjunto de divergências que apresentamos já no início do governo de Lula. Pouca gente sabe, mas entregamos centenas de cargos no início do governo de Lula. O estopim do rompimento foi em 2003 com a reforma da Previdência, em relação à qual nos contrapomos na Bahia também. Foi o estopim para o rompimento e a criação do Partido Socialismo e Liberdade. Dizíamos que existia um abandono das referências de esquerda, de todo um debate que era feito sobre o Brasil. Por exemplo, o problema da dívida pública. É um problema histórico que se avolumou tremendamente no período da ditadura militar e hoje consome metade do orçamento do país. Criou-se o que a gente chama de sistema da dívida pública, que consome metade dos nossos recursos pra especulação financeira. Algo em torno de 48% do orçamento, enquanto o Brasil dedica 4% à saúde, 3% à educação e 0,25% pra ciência e tecnologia. Como é que a gente pode falar em desenvolvimento dedicando um quarto de 1% à ciência e tecnologia? E isso não é falta de ímpeto dos nossos pesquisadores. Temos uma rede de universidades com uma produção maravilhosa, mas que em grande medida está nas prateleiras, porque os governos, inclusive os petistas, não utilizaram essa produção que, no final das contas, é do nosso povo. Então, toda essa crítica em relação às perspectivas do Brasil fez com que a gente pensasse e fosse a campo pra construir uma alternativa que hoje vem se afirmando cada vez mais. A candidatura do companheiro Kleber Rosa é um acúmulo disso. Alguém que vem dos movimentos sociais e sempre foi militante em defesa da educação, dos direitos mais nobres do nosso povo. De forma que a sua pré-candidatura pra nós é um grande orgulho. E ele vai ter muita autoridade pra falar no processo eleitoral, num programa que retome a perspectiva de uma Bahia que reverta o quadro de desigualdade, que discuta o problema do genocídio da nossa juventude negra. Precisamos levantar debates como esse. O problema do déficit de moradia na Bahia também é muito grande. A questão ambiental. A Bahia é o estado que mais fez supressão de Mata Atlântica no último período. Tudo isso precisa ser discutido e o companheiro Kleber Rosa vai apresentar não apenas os questionamentos mas um programa muito consistente para discutir com o povo.

Mas a opção por uma candidatura própria não distancia ainda mais o sonho de uma esquerda unida? 

A esquerda precisa de união a partir da legitimidade de um programa. E entendemos que essa legitimidade no último período se fragilizou muito. Mas não significa que determinados objetivos em comum não possam ser traçados. Hoje, por exemplo, o PSOL coloca como um elemento extremamente importante virar a página da história do Brasil em relação ao que é essa experiência do governo de Jair Bolsonaro. O Brasil está descendo completamente a ladeira. Tudo o que falamos sobre soberania, afirmação de grandes objetivos nas áreas sociais, ao nosso ver, vem sendo degradado de maneira muito acelerada pela experiência de Jair Bolsonaro que precisa terminar. Nós do PSOL defendemos que isso termine nas ruas. Estamos construindo o Fora Bolsonaro. Caso isso não aconteça, vai precisar ser resolvido nas urnas. Posições como essas vão ser externalizadas não apenas por Kleber Rosa, mas também pela nossa candidata ao Senado, a companheira Tâmara Azevedo, e o conjunto das nossas candidaturas.

A Executiva Nacional do PSOL aprovou a formação de federação com a Rede Sustentabilidade. Qual a importância dessa união para o processo eleitoral na Bahia? 

Primeiro que a Rede Sustentabilidade na Bahia tem uma trajetória de debate sobre a questão ambiental, tema que é caro pra o PSOL. E não apenas do ponto de vista da preservação do meio ambiente, mas do ponto de vista agrícola e de uma produção industrial que venha disso também. A nossa experiência com a Rede Sustentabilidade veio de uma política de alianças na disputa pela prefeitura de Salvador na eleição anterior e, posteriormente, na relação com o conjunto de movimentos, especialmente o ambientalista. Entendemos que, ao lado de uma crítica aos processos de privatização aqui no estado, com a qual a Rede também se identifica, podemos ter uma intervenção bastante interessante, porque vai ser outra possibilidade de visibilização de um conjunto de posições sobre a Bahia que está fértil de possibilidades. E nós precisamos transformar isso num programa político.

O estatuto da federação entre PSOL e Rede prevê que os partidos possam ter suas respectivas autonomias, ou seja, divergir da orientação eleitoral da própria federação. É uma forma de agradar integrantes dos dois partidos insatisfeitos com o possível apoio da federação à esperada candidatura do ex-presidente Lula? 

Sim, porque são dois partidos que, de alguma forma, têm uma personalidade forte mas valorizam a perspectiva de ter uma intervenção articulada. Pra nós é algo que vai acrescentar. Essa personalidade precisa ser respeitada pra que haja uma sinergia, os dois partidos cresçam e a gente consiga realmente apresentar algo que seja inovador, instigante e, principalmente, tenha força de mobilização. No caso da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a gente ainda tem um debate interno no PSOL. Particularmente, acho que no primeiro turno é importante que o PSOL tenha uma candidatura própria. Defendo a candidatura do companheiro Glauber Braga que é deputado federal pelo Rio de Janeiro, alguém que se destacou muito pelo seu ímpeto e compromisso com as grandes questões do Brasil. Faço essa defesa, mas o PSOL ainda vai decidir sobre quais rumos serão tomados. Um que está sendo defendido é o apoio à candidatura de Lula com a perspectiva de uma ação unificada já desde o primeiro turno, a partir do espírito de que é preciso derrotar Jair Bolsonaro. Ao meu ver são posições legítimas.

Quando se fala no PSOL a maior referência são os estados do Rio e de São Paulo, onde a representatividade do partido é maior, inclusive com cadeiras na Câmara dos Deputados. Na Bahia percebe-se um crescimento ainda tímido. Como que o PSOL espera ocupar novos espaços no estado? 

O crescimento político do PSOL na Bahia ainda está em construção, mas acontecendo de uma maneira muito consistente. Hoje estamos distribuídos por diversas regiões fazendo a discussão de território. Sabemos que o Oeste não é a mesma coisa que o Recôncavo. Quando falamos sobre mandioca e inhame, por exemplo, estamos falando de uma parte da Bahia. Quando é sobre o oeste baiano, a gente fala das comunidades de fundo e fecho de pasto. A Bahia não é uma coisa só. E precisamos ter esse entendimento, para propor um projeto que tenha consistência e vocação para milhões. Isso está em construção e vai ser expresso nesse processo eleitoral com muita força através das nossas candidaturas majoritárias, a do companheiro Kléber, da companheira Tâmara, do Professor Max, de Zen [Costa] também, e das nossas candidaturas proporcionais que estão nessas regiões e vão dar luz a toda essa produção. Não apenas do ponto de vista econômico, mas também da trajetória histórica de resistência dessas regiões. Aqui temos uma trajetória com muita força do povo afrodescendente. É impossível pensar em resgatar as nossas energias de rebeldia, de contestação e de afirmação de um outro modelo de sociedade sem colocar na centralidade a descendência africana, como a indígena também. Mas o peso disso é diferente em cada região. Essa complexidade vem sendo analisada e se transformando num programa que a esquerda nunca teve na história da Bahia. O PSOL junto com seus partidos irmãos, como o PCB e o Partido da Unidade Popular, vão apresentar isso com muita força e personalidade no próximo processo eleitoral e nós vamos colher os frutos.

O senhor que está no primeiro mandato, qual avaliação faz da sua atuação na Alba? 

Uma experiência extremamente rica. Crescemos muito e não falo individualmente. Primeiro, porque contou com uma relação muito ativa com os movimentos sociais. O nosso diálogo com o MST é muito interessante. Também com o movimento de luta por moradia, o MSTB, o movimento ambientalista, da educação. Uma experiência extremamente rica de um conjunto de posições que se revelaram também em projetos pra Bahia. Apresentamos a proposta da criação de um fundo para o financiamento da captação da energia solar dos telhados da população baiana, não apenas pra que ela não pague mais pela energia elétrica, mas pra que tenha um retorno também em renda para as famílias. São projetos como esse que fizeram com que o nosso mandato fosse bastante afirmativo. E que deu resposta também a questões complexas, como a orçamentária, um debate que sempre foi feito de maneira muito incipiente na Bahia. Nós fizemos esse debate com a população, a ponto de ter sido o mandato que, isoladamente, apresentou quase 60% de todas as emendas ao orçamento do Estado. Em relação ao enfrentamento da pandemia, apresentamos mais de 150 projetos, muitos relacionados à distribuição de renda e riqueza, à questão da saúde e outros ligados à questão da vulnerabilidade da população. Uma experiência bastante interessante que, obviamente, não está acabada. Precisamos apontar pra frente, olhando pra todos os potenciais da Bahia e acreditando que o nosso povo é capaz de, coletivamente, sintetizar posições poderosas, envolventes, que tenham capacidade de mobilização social. A trajetória da Bahia tem sido de fortalecimento da concentração da renda e riqueza e o nosso mandato é voltado para fazer o contramovimento a isso. Vamos continuar a fazer esse trabalho.

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