No Brasil, apenas uma em cada três mortes por assassinato resulta em denúncia contra o autor e tem possibilidade de chegar a julgamento, aponta a 8ª edição do estudo “Onde Mora a Impunidade?”, divulgado pelo Instituto Sou da Paz. A análise dos homicídios de 2023 revela que, dos 24.195 casos de mortes violentas registrados, apenas 36% foram esclarecidos, ou seja, tiveram ao menos um autor identificado e denunciado pelo Ministério Público. A informação é da repórter Catarina Duarte da Ponte Jornalismo.
Para Beatriz Graeff, coordenadora de projetos do instituto, esse cenário é uma “estabilidade ruim”, já que nos últimos nove anos a taxa de esclarecimento variou entre 32% e 37%, sem avanços significativos. “Isso mostra que, na última década, a resolução de homicídios esteve fora da agenda dos governos. Não houve políticas públicas direcionadas a melhorar esses índices”, afirmou.
De acordo com a reportagem, na visão da pesquisadora, há uma prioridade invertida nas ações de segurança pública. Enquanto a investigação de homicídios exige investimentos em perícia e protocolos padronizados, observa-se uma valorização das operações ostensivas e de visibilidade, voltadas à Polícia Militar. “A investigação, apesar de silenciosa, é essencial para enfrentar de forma estrutural a criminalidade, mas continua desvalorizada em vários estados”, afirma.
O estudo também evidencia que os homicídios atingem desproporcionalmente populações periféricas e jovens negros, que recebem menos atenção pública e, consequentemente, menos recursos para a elucidação dos crimes.
O tempo é um fator crucial para a eficácia das investigações: cerca de dois terços das denúncias ocorrem no mesmo ano do crime. Após esse período, as chances de responsabilização caem drasticamente. A rápida preservação da cena do crime, deslocamento da perícia, coleta de imagens e depoimentos de testemunhas são fundamentais para o esclarecimento. A dependência quase exclusiva de testemunhos nos processos, devido à fragilidade das provas técnicas, torna os desfechos ainda mais incertos.
A desigualdade entre os estados é enorme. Em 2023, o Distrito Federal apresentou 96% de homicídios esclarecidos, enquanto a Bahia registrou apenas 13%, o pior índice do país pelo segundo ano consecutivo. Rondônia alcançou 92%, e São Paulo viu seu índice cair para 31%, o menor na sua série histórica, evidenciando a falta de padrões mínimos e investimentos consistentes em investigações criminais.
Outro dado preocupante é o perfil da população carcerária: mesmo com um aumento de 900% desde 1990, apenas 13% dos presos respondem por homicídio. A maioria está detida por crimes contra o patrimônio e relacionados a drogas, delitos mais facilmente flagrados. Para o Instituto Sou da Paz, isso mostra que o sistema privilegia a repressão imediata e seletiva, falhando em responsabilizar os autores dos crimes mais graves.
Apesar desse cenário preocupante, Graeff aponta uma possível mudança, graças à pressão gerada pelo estudo. Delegados de homicídios do país criaram e aprovaram uma metodologia própria para medir a taxa de esclarecimento de homicídios, atualmente submetida ao Ministério da Justiça, que pode regulamentá-la até o final do ano. “Essa é uma janela de oportunidade para que o governo federal passe a divulgar um indicador oficial, obrigando os estados a prestarem contas anualmente sobre suas políticas de investigação e esclarecimento”, conclui.
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