quinta-feira, 28 março, 2024

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Fiocruz tem primeira presidente mulher em 120 anos de história

Muito antes do início das tratativas para um acordo de produção da vacina de Oxford no Brasil, a socióloga Nísia Trindade Lima, primeira mulher a ocupar a presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 120 anos de história, já estava mergulhada na resposta brasileira à covid.

Desde os primeiros meses do ano, quando o novo coronavírus castigava a China e estava fazendo as primeiras vítimas no Brasil, Nísia já tinha que coordenar uma série de ações que ficaram sob a responsabilidade da instituição, como a produção de milhões de testes diagnósticos, a capacitação de laboratórios públicos do País e de países vizinhos e a preparação do seu instituto de infectologia para atender pacientes com a doença.

Entre o final de abril e o início de maio, Nísia e equipe entraram em uma nova frente de batalha – iniciaram a análise das diferentes vacinas que estavam sendo testadas no mundo para pensar em formas de fazer parcerias de produção e facilitar o acesso do País ao imunizante. “Intensificamos a prospecção de todas as vacinas existentes no mundo contra a covid. Fizemos uma matriz de análise em conjunto com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde”, conta ela.

A partir das análises dos resultados preliminares dessas vacinas em teste e conversas entre o Brasil e os responsáveis pela vacina de Oxford, decidiu-se firmar um acordo com os parceiros britânicos. “Houve um movimento dos dois lados. O ministério contatou várias farmacêuticas colocando o Brasil à disposição para participar dos testes clínicos e colaborar com a nossa competência. Recebemos um contato do laboratório AstraZeneca (parceiro de Oxford no desenvolvimento) e da embaixada britânica”, conta Nísia.

“Com base na análise científica que tínhamos feito, o governo brasileiro firmou uma carta se comprometendo a adquirir 30,4 milhões de doses da vacina, mas com o acordo de que haverá a transferência integral da tecnologia para que possamos produzir nacionalmente na Fiocruz, por meio de Biomanguinhos. Com isso, o Brasil poderá ser autossuficiente”, destaca ela.

Nísia está em seu quarto ano como presidente da Fiocruz, mas já acumula mais de três décadas de trabalho na instituição. Já passou por cargos técnicos e executivos, mas, mesmo assim, ainda sofre questionamentos sobre sua competência para estar no posto.

“Paralelamente à carreira de pesquisadora, atuei como gestora por oito anos na Casa Oswaldo Cruz, trabalhei na Editora Fiocruz, fui vice-presidente de educação, comunicação e informação e, vez ou outra, ainda passo pelo processo de desqualificação”, diz.

Nísia destaca a criação de um comitê pró-equidade de gênero e raça na Fiocruz para discutir a questão da igualdade na ciência. “A Fiocruz tem 56% dos trabalhadores mulheres e, na área de pesquisa, esse percentual é equivalente, de 57%. Somos maioria, temos muitas mulheres em lideranças de grupos de pesquisa, mas nos cargos de gestão essa progressão não é acompanhada. Isso tem a ver com uma dificuldade de reconhecimento do papel das mulheres nos cargos de gestão científica e liderança.”

Diante da dificuldade e do lento avanço rumo à igualdade de gênero na ciência (e na sociedade como um todo), Nísia faz questão de destacar a presença de outras mulheres na coordenação de departamentos fundamentais da fundação que vem atuando na resposta à covid. “São muitas mulheres na linha de frente dessa resposta. Isso vai desde o laboratório de referência para vírus respiratórios até a área de desenvolvimento de Biomanguinhos, área de pesquisa clínica. Temos que valorizar essa presença em espaços tão importantes.”

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