A pesquisa Datafolha publicada na noite de terça-feira, que praticamente repetiu os resultados do Ibope do dia anterior, indica que o caminho para a eleição presidencial deve passar por um novo embate entre o petismo e o antipetismo, este agora liderado por Jair Bolsonaro. Ainda que a possibilidade de o candidato do PSL vencer no primeiro turno tenha ganhado contornos reais diante de seu crescimento recente, hoje parece mais provável que tenhamos segundo turno.
De acordo com o Datafolha, o candidato do PT, Fernando Haddad, tem 21% das intenções de voto, mas viu sua rejeição alcançar 41%, índice semelhante ao do presidenciável do PSL. Seu desafio na eventualidade de a eleição ir para o segundo turno será montar uma coalizão viável.
Como destacou Marcos Nobre em coluna recente no site da revista Piauí, o segundo turno é o momento em que os candidatos buscam ampliar suas redes de apoio, de preferência com o suporte das elites políticas, econômicas e da imprensa. Para o PT, fazer isso em 2018 será uma tarefa difícil, pois a grosso modo esses são setores que exerceram papéis decisivos na derrubada de Dilma Rousseff.
O mercado parece ter aderido em peso a Bolsonaro, enquanto a linha geral na imprensa é a fantasia de que PT e Bolsonaro representam dois riscos iguais para a democracia (não são semelhantes, mas isso fica para outra coluna).
Na elite política, o trabalho para Haddad obter apoios seria também árduo. Como destacado neste espaço na semana passada, o PSDB, apesar de Fernando Henrique Cardoso, deve abraçar o bolsonarismo por conta dos interesses de seus candidatos que disputarão os segundos turnos estaduais – João Doria, que prometeu uma polícia “que atire para matar”, é o exemplo mais evidente.
O “centrão”, por sua vez, deve tentar embarcar na candidatura de Bolsonaro ainda no domingo, ou talvez antes. A bancada ruralista já declarou apoio a Bolsonaro. E reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta quarta mostra que ao menos quatro candidatos ao governo de partidos como DEM e PSD, além do Novo, que não é do “centrão”, pediram votos para o candidato do PSL nos debates estaduais de terça-feira.
Se não conseguir atrair nenhuma dessas elites, restará ao PT “apenas” o eleitor. A frase pode soar estranha, mas no formato de democracia a funcionar no Brasil o papel do eleitor acaba assim que a contagem de votos é encerrada. Para governar, alianças são necessárias, e o risco que Haddad corre é de fazer uma campanha em isolamento, situação em que Dilma esteve pouco antes de ser derrubada. Neste cenário de incerteza, mesmo apoios prováveis, como o do PDT de Ciro Gomes, poderiam ser inviabilizados.
Para Bolsonaro, que foi a 32% das intenções de voto mesmo sob uma saraivada de críticas, a situação é um pouco diferente. Com a elite econômica e boa parte da elite política conservadora a seu lado, o capitão da reserva do Exército terá como grande desafio fazer o antipetismo derrotar o petismo nas urnas, algo que o PSDB não conseguiu quando exerceu o papel de face partidária desta força política.
A estratégia de Bolsonaro para um eventual segundo turno ainda é uma incógnita, mas é razoável supor que seus apoiadores vão redobrar a aposta em sua principal arma de campanha online: as mentiras. Para quem acompanha grupos políticos no WhatsApp, fica evidente como o bolsonarismo é firmemente calcado no compartilhamento de informações falsas.
Desde a semana passada, por exemplo, circularam pelo aplicativo itens como: uma corrente afirmando que Haddad tem soldados cubanos como seguranças; outra afirmando que o PT distribui “mamadeiras eróticas” em creches; uma verificação falsa acusando a imprensa de inflar os atos anti-Bolsonaro do sábado 29; um meme afirmando que Haddad apoia lei que obrigaria igrejas a casar homossexuais; outro meme segundo o qual o candidato petista defenderia que as crianças sejam propriedades do Estado e este defina se elas serão meninos ou meninas.
Todos esses exemplos são, no entanto, de mentiras boladas para atacar o adversário. Em caso de segundo turno, a máquina online bolsonarista terá de se provar eficiente também para defender seu candidato.
No embate direto, o mais provável é que o PT inicie uma ofensiva contra Bolsonaro, tática que, por enquanto, empregou de forma muito tímida nesta campanha.
Capacidade para fazer isso o PT possui. Basta lembrar das eleições de 2014, quando o marketing petista desestabilizou a campanha de Marina Silva ao lançar mão de uma propaganda que mostrava famílias ficando sem a comida de suas refeições por conta da autonomia do Banco Central, uma das propostas da então candidata do PSB.
Outro desafio para o círculo de Bolsonaro será articular propostas críveis para os eleitores para além do antipetismo. Na disputa binária, as comparações tendem a ter peso maior e podem fazer pender a balança dos indecisos. É preciso lembrar que integrantes da campanha de Bolsonaro defenderam nos últimos dias propostas que afetam negativamente os mais pobres, que formam o grosso do eleitorado, como o imposto de renda único e o fim do 13º salário.
Se de fato houver segundo turno, tanto Haddad quanto Bolsonaro deverão apostar nos eleitores que optaram por outros candidatos no primeiro turno. De acordo com o Datafolha, 84% dos bolsonaristas se dizem convictos voto, enquanto 82% dos eleitores de Haddad afirmam o mesmo. Os indecisos são apenas 5%, enquanto 8% prometem anular ou votar em branco.
Com a sociedade dividida e duas propostas que significam realidades completamente diferentes para o futuro do país, a eleição será acirrada e produzirá um governo questionado de maneira ferrenha pela metade derrotada. Independentemente de quem vença, será um começo de mandato altamente instável.