Imagine acordar cedo para assistir aula na faculdade e, ao chegar, não ter luz na sala ou água nos banheiros. Na portaria, nenhum tipo de segurança. O cenário distópico não parece tão distante da realidade das instituições federais de ensino superior do país, depois do bloqueio de R$ 3,23 bilhões anunciado pela União no dia 27. Na Bahia, as seis universidades e dois institutos federais estimam perdas de R$ 37,3 milhões. Mas esse número pode ser ainda maior, pois três instituições não enviaram as informações pedidas.
No Instituto Federal da Bahia, cerca de R$ 12,6 milhões deixarão de ser investidos nos 22 campi da instituição, caso o corte seja definitivo. Isso impossibilita o funcionamento do Ifba após o mês de setembro deste ano, segundo o pró-reitor de Ensino Jancarlos Lapa. A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) informou que o bloqueio representa R$ 6,6 milhões, o que também inviabiliza o funcionamento da instituição.
“O bloqueio tem um impacto muito crítico. No exato momento em que saímos de uma pandemia e iniciamos o processo de atividades presenciais, nos deparamos com uma notícia como essa. A nossa projeção inicial é que se o corte se mantiver, só conseguiremos funcionar até o mês de setembro”, afirmou o pró-reitor do Ifba.
“Caso o bloqueio se concretize, nós entraremos em colapso, porque não teremos condições de cumprir os contratos já estabelecidos até o final do ano. Só teremos condições de funcionar até o final de setembro ou início de outubro”, declarou Fábio Josué Souza, reitor da UFRB. O dirigente espera que a sociedade possa se mobilizar a favor do desbloqueio das verbas.
“A situação é insustentável e não vemos outra alternativa a não ser mobilizar a sociedade e os parlamentares para que a gente possa ter reversão desse bloqueio e liberação do orçamento”.
Para tentar reverter o quadro e garantir o funcionamento das instituições, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes), Marcus Vinicius, vai viajar para Brasília hoje. “Teremos reunião com o ministro da Casa Civil e estamos trabalhando com o Congresso Nacional para tentar sensibilizar os parlamentares a nos ajudar a buscar uma solução. Em última instância, estudamos a possibilidade de uma ação judicial”, diz.
Outras universidades baianas
Em nota, a Universidade Federal da Bahia (Ufba) informou que o bloqueio de 25,1% do valor total disponível para este ano, representa aproximadamente R$ 26 milhões. Isso significa que cerca de R$ 26 milhões deixarão de ser investidos na universidade em 2022. De acordo com a Ufba, o valor corresponde a quatro meses de gastos com pagamento de contratos continuados, que incluem segurança, limpeza, transporte e assistência estudantil.
O corte das verbas para a Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), também vai custar caro. O bloqueio significa perda de R$ 3,64 milhões no orçamento, que deve impactar em contratos já firmados pela universidade. Em nota, a instituição reforçou que acredita que o bloqueio não será desfeito. “O bloqueio compromete todo o planejamento para 2022 e deve ser encarado como corte, pois, não se vislumbra qualquer sinalização de liberação futura”.
O IF Baiano informou que o contingenciamento prejudica a disponibilidade orçamentária da instituição em cerca de R$ 8 milhões. Em nota, afirmou que buscará saídas para “reduzir os impactos e prejuízos que a ação trará, tendo em vista que o bloqueio ocorre nos recursos destinados ao funcionamento da instituição”.
Para a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) o bloqueio foi no total de R$ 5.267.483,00. De acordo com a instituição, esse corte implicará na não execução do planejamento de investimentos para este ano tais como obras previstas no campus dos Malês, adequações de espaços na sede, compras de livros, softwares e insumos para laboratórios, além de compromissos já assumidos com empresas que prestam serviços básicos para a comunidade acadêmica , implicando em mais uma redução do quadro de terceirizados e diminuição da qualidade dos serviços prestados pela universidade.
A Universidade Federal do Sul da Bahia (Ufsb), e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) não responderam à reportagem até o fechamento da edição, às 23h.
O bloqueio do governo federal
O bloqueio de mais de R$ 3 bilhões representa 14,5% de toda a verba de uso discricionário para este ano das instituições federais de ensino superior. Na sexta-feira (27), as universidades e institutos souberam, através do Ministério da Educação (MEC), que a verba seria bloqueada. Isso significa que não é possível utilizar esse dinheiro por enquanto. Caso o governo federal retire a verba da educação e transfira para outro setor, tem-se o corte definitivo.
As despesas discricionárias incluem o pagamento de contas de água e luz, além de serviços terceirizados, como segurança, limpeza e manutenção. Também entram na conta programas mantidos pelas universidades, como assistência estudantil e bolsas de pesquisa acadêmicas. Esse tipo de despesa se difere dos gastos obrigatórios previstos em lei, que abrangem pagamento de salário de servidores e aposentadorias.
Apesar de não obrigatórias, as verbas para o pagamento das despesas discricionárias são essenciais para que as instituições possam funcionar. A possibilidade de um novo corte torna a situação das universidades insustentável, de acordo com Marcus Vinicius David, presidente da Andifes.
“Estamos sofrendo com cortes sucessivos no nosso orçamento desde, pelo menos, 2016. Então, quando começa a haver corte em cima de corte, chega uma hora que a situação se torna absolutamente insustentável. Diria que chegamos nesse ponto”, afirma ele, que também é reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O presidente da Andifes reforça que as universidades já começaram o ano com uma verba menor do que em 2019, antes da pandemia. “Nós já havíamos começado 2022 com um orçamento aquém das necessidades. O orçamento discricionário era de R$ 6,2 bilhões em 2019 e caiu para R$ 5,3 bilhões neste ano”, explica.
Justificativa do governo
A justificativa do governo federal para os cortes é a necessidade do cumprimento do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas. O teto de gastos é uma norma promulgada pelo Congresso Nacional em 2017, que impede que parte das despesas públicas cresçam em ritmo mais acelerado que a inflação oficial.
Além disso, fontes ouvidas pela reportagem avaliam que o governo também busca justificar o bloqueio por conta da necessidade de reajustar os salários de todo o funcionalismo público federal em 5% ainda este ano. “Entendemos como absolutamente justo o aumento salarial, mas não haveria a necessidade de cortar recursos justamente da educação para garantir o aumento do funcionalismo. Está havendo um aumento de arrecadação de impostos e o governo fica preso ao teto, criando um verdadeiro caos nas contas públicas”, diz Marcus Vinicius, da Andifes.
A educação não é a única área atingida. Na sexta-feira (20), o Ministério da Economia anunciou bloqueio de R$ 8,2 milhões no orçamento deste ano, com a mesma justificativa de não alcançar o teto de gastos. O Ministério da Educação (MEC) foi procurado para comentar o bloqueio de verbas, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Assistência estudantil
Alunos que precisam de auxílio das universidades vivem a incerteza da continuidade dos benefícios com o possível corte das verbas discricionárias nas federais. Bolsas para moradia, alimentação e transporte são essenciais para que muitos jovens permaneçam estudando.
Ericsson Aragão, 24, que estuda Produção Cultural na Ufba, diz que há dois anos recebe auxílio especial para permanência, no valor de R$ 250. Se sua bolsa fosse cortada hoje, ele não saberia se teria como continuar morando em Salvador, uma vez que é natural de Boa Vista do Tupim, no interior do estado.
“Apesar de ser pouco, o auxílio é fundamental para a minha permanência na universidade. É com esse dinheiro que eu consigo recarregar o cartão de transporte e ajudar a pagar contas de casa, já que moro com a minha irmã”, conta
O auxílio também foi essencial para Ericsson durante o período em que as aulas estiveram remotas por conta da pandemia. “Quando eu tive que voltar para o interior por conta da pandemia, com a bolsa consegui pagar internet boa em casa e ajudar meus pais”, completa.